PROCESSO Nº: 0809799-82.2017.4.05.8400 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: SOCIEDADE BRASILEIRA DE CIRURGIA PLASTICA e outros
ADVOGADO: Carlos Magno Dos Reis Michaelis Junior e outro
RÉU: CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA
ADVOGADO: Andrea Damm Da Silva Brum Da Silveira e outro
TERCEIRO INTERESSADO: CONSELHO REGIONAL DE ODONTOLOGIA DO RIO GRANDE DO SUL
ADVOGADO: Leticia Pereira Voltz Alfaro
5ª VARA FEDERAL - RN (JUIZ FEDERAL TITULAR)
SENTENÇA
EMENTA: AÇÃO CÍVEL DE PROCEDIMENTO COMUM. EXISTÊNCIA DE PROCESSO COM IDÊNTICOS PEDIDO E CAUSA DE PEDIR ANTERIORMENTE PROPOSTO EM OUTRA SEÇÃO JUDICIÁRIA. PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. DISTRIBUIÇÃO POR DEPENDÊNCIA CONFORME PREVISÃO DO ART. 286, II, DO CPC. INCOMPETÊNCIA. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.
Cuida-se de ação cível de procedimento comum, com pedido de tutela provisória de urgência, ajuizada pelo Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica Regional do Ceará - SBCP, Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular e Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular do Rio Grande do Norte em desfavor do Conselho Federal de Odontologia - CFO, objetivando provimento jurisdicional para anular dispositivos da Resolução n.º 176/2016 que tratam da atuação de odontologistas em procedimentos estéticos que manipulem o uso de toxina botulínica e de preenchedores faciais.
Decisão deferindo o pedido de urgência deduzido na exordial.
Foi realizada audiência de conciliação na qual não foi possível alcançar a composição consensual do litígio.
Contestada a ação, a parte autora ofertou a respectiva réplica.
Decisão indeferindo pedido de assistência formulado por terceiros interessados na resolução da lide e deferindo a participação como amicus curiae do Conselho Regional de Odontologia do Paraná; Conselho Regional de Odontologia do Rio Grande do Sul; Conselho Regional de Odontologia do Espírito Santo; Associação Brasileira de Harmonização Orofacial - ABRAHOF; Associação Brasileira de Toxina Botulínica e Implantes Faciais e do Conselho Federal de Medicina CFM.
Intimado para ofertar parecer acerca do caso, o Ministério Público Federal veio aos autos pugnar pela declaração de incompetência deste Juízo para julgar a causa.
É o que importa relatar. Pondero e decido.
Analisando o caso, tenho que merece acolhimento a manifestação do Ministério Público Federal no sentido de que este Juízo é incompetente para apreciar a demanda, face a existência de prevenção do Juízo da 8a Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, onde tramitou o Processo n° 0012537-52.2017.4.01.3400, que foi extinto sem resolução do mérito, e que possui identidade de pedidos e de causa de pedir com o presente feito, além de parcial identidade de partes, o que atrai a disposição do art. 286, II, do Código de Processo Civil.
A fundamentação exposta pelo Ministério Público, residente no id 4058400.3855390, é merecedora de transcrição, mercê da sua força elucidativa:
"[...] No tocante à litispendência, tem-se que os §§ 1º e 2º, do art. 337, do CPC, preveem que "verifica-se a litispendência ou a coisa julgada quando se reproduz ação anteriormente ajuizada", considerando-se uma ação idêntica a outra "quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido". Por sua vez se verificará a litispendência "quando se repete ação que está em curso". No caso dos autos, uma vez que já houve o devido trânsito em julgado da ação nº 001253752.2017.4.01.3400, não há que se falar de litispendência à hipótese.
Noutro plano, contudo, notadamente no tocante à alegada incompetência deste juízo em razão de prevenção ao processo nº 001253752.2017.4.01.3400, cumpre tecer as seguintes considerações.
Como se verifica dos autos, a supracitada ação foi proposta pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) e Associação Médica Brasileira (AMB) em face do Conselho Federal de Odontologia (CFO) e teve seu trâmite perante a 8ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal. Como é necessário salientar, a SBCP também é uma das autoras da presente ação e tem como réu, justamente, o Conselho Federal de Odontologia.
Naquela ação as partes autoras objetivavam que o Conselho Federal de Odontologia se abstivesse de "de criar, regulamentar ou estabelecer qualquer forma de atividade estética do cirurgião dentista, relacionada à aplicação de toxina botulínica e preenchedores faciais, determinando-se a suspensão dos dispositivos da Resolução n° 176, de 06 de setembro de 2016 do CFO" e que "o réu seja obrigado a publicar, em jornal de grande circulação a decisão definitiva".
Nesta senda, verifica-se que os pedidos formulados naquela ação são EXATAMENTE IDÊNTICOS ao pedido formulado pelos autores perante esse JUÍZO FEDERAL, na medida em que também postulam pela suspensão e cancelamento da Resolução CFO nº 176/2014. Assim, diante da identidade de partes, muito embora tenha havido a alteração parcial dos autores da ação, identidade de pedido e ainda diante de uma sentença sem resolução de mérito proferida pelo juízo do Distrito Federal, resta evidente a incompetência deste juízo para apreciar o feito.
Desta forma, conforme o art. 286, II, do Código de Processo Civil, nas hipóteses em que ocorra a extinção do processo sem resolução de mérito e ocorrer nova propositura de ação, com idêntico pedido, ainda que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os réus da demanda, como acontece no caso em tela, haverá a distribuição por dependência, in verbis:
Art. 286. Serão distribuídas por dependência as causas de qualquer natureza: (...)
II - quando, tendo sido extinto o processo sem resolução de mérito, for reiterado o pedido, ainda que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os réus da demanda;
Neste contexto, verifica-se que o manejo de nova ação, idêntica a extinta, para outro juízo, nada mais é que uma tentativa de obter nova resposta jurisdicional diversa daquela já declarada pelo Juízo Federal da 8º Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal nos autos do Processo (ACP) nº 00123752.2017.4.01.3400. Como é necessário salientar, a sentença daquela ação foi proferida no dia 05/10/2017, enquanto a presente ação foi distribuída em 06/10/2017, integrando a lide apenas uma associação médica do Estado do Rio Grande do Norte (SOCIEDADE BRASILEIRA DE ANGIOLOGIA E DE CIRURGIA VASCULAR REGIONAL DO RIO GRANDE DO NORTE (SBACV-RN)).
Admitir-se o prosseguimento do feito perante este juízo é reconhecer a existência de evidente burla ao princípio do juiz natural (CF, art. 5º, incisos XXXVII e LIII), uma vez que os autores, simplesmente mediante a formulação do mesmo pedido em litisconsórcio com outras partes, buscam o mesmo provimento jurisdicional já pleiteado anteriormente perante outro juízo. Veja-se que todas as partes, com exceção da SOCIEDADE BRASILEIRA DE ANGIOLOGIA E DE CIRURGIA VASCULAR REGIONAL DO RIO GRANDE DO NORTE (SBACV-RN) sequer são sediadas no âmbito de jurisdição do TRF da 5ª Região, sendo a inclusão desta última parte mero subterfúgio para justificar a possibilidade de demandar em órgão jurisdicional diverso do que anteriormente já havia conhecido da causa.
A esse repeito, os Tribunais, principalmente o próprio TRF da 5ª Região, em apreciação de casos semelhantes, já decidiram:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO ORDINÁRIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. AJUIZAMENTO DE NOVA DEMANDA. REITERAÇÃO DO PEDIDO. ART. 253, II, DO CPC. PREVENÇÃO. DISTRIBUIÇÃO POR DEPENDÊNCIA. 1. Estão sujeitas à distribuição por dependência as causas de qualquer natureza quando, tendo sido extinto o processo sem julgamento do mérito, for reiterado o pedido, ainda que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os réus da demanda. Inteligência do inciso II do art. 253 do CPC. 2. Ajuizada nova ação que envolve as mesmas partes, possui idêntica causa de pedir, e contém o pedido veiculado em processo anterior, já extinto, sem resolução do mérito, é obrigatória a incidência do CPC 253, II, a ensejar a distribuição por prevenção da última demanda. 3. Irrelevante o fato de o autor aumentar ou diminuir a causa de pedir ou o pedido, pois não descaracteriza a reiteração da causa. 4. Conflito negativo de competência conhecido para declarar competente o Juízo da 2.ª Vara Federal da Seção Judiciária da Paraíba, ora suscitante. (TRF-5 - PROCESSO: 200982000039460, CC1742/PB, DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO NAVARRO, Pleno, JULGAMENTO: 27/01/2010, PUBLICAÇÃO: DJE 19/02/2010 Página 164)
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. REPETIÇÃO DA DEMANDA. PREVENÇÃO DO JUÍZO QUE PRIMEIRO CONHECEU DA AÇÃO. ART. 286, II, DO NOVO CPC/15. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO. 1- Trata-se de Conflito Negativo de Competência tendo como Suscitante o Juízo da 20ª VF/RJ, que recebeu por redistribuição a Ação de nº 007821996.2016.4.02.5101 e como Suscitado o Juízo da 29ª VF/RJ, a quem foram anteriormente distribuídas as Ações Cautelar e Ordinária, sentenciadas, sem julgamento do mérito, ao tempo do ajuizamento da nova ação. 2- Da dicção da regra prevista no art. 286, II, do CPC/2015, tem-se que tendo havido a extinção de anterior processo sem julgamento de mérito, a reiteração da demanda com mesmo pedido, ainda que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os réus, ocasiona a distribuição da nova ação por dependência da última, em razão da prevenção firmada pelo Juízo prolator da sentença. O instituto da prevenção leva em conta a primazia do juiz natural, vinculando aquele que primeiro conheceu da pretensão autoral para as demais, evitando com isso o sucessivo ajuizamento de ações idênticas à procura de um magistrado que melhor convenha à parte em verdadeira burla ao sistema de distribuição dos feitos. 3- Conflito conhecido para declarar competente o MM. Juízo Suscitado/Juízo da 29ª VF/RJ. (TRF-2 - CC: 00071386420164020000 RJ 000713864.2016.4.02.0000, Relator: GUILHERME DIEFENTHAELER, Data de Julgamento: 23/08/2017, 8ª TURMA ESPECIALIZADA)
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO EXTINTA SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. REITERAÇÃO DO PEDIDO EM NOVA AÇÃO, SUCESSIVAMENTE PROPOSTA, IDÊNTICA À PRIMEIRA. DISTRIBUIÇÃO POR DEPENDÊNCIA. NECESSIDADE. 1. O Código de Processo Civil é expresso em dispor que (art. 286, inciso II) serão distribuídas por dependência as causas de qualquer natureza quando, tendo sido extinto o processo, sem julgamento do mérito, for reiterado o pedido, ainda que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os réus da demanda. 2. Em casos tais, a distribuição da segunda ação por dependência ao Juízo prolator da sentença extintiva da primeira ação é medida que se impõe (CC 0005202-36.2013.4.01.0000 / GO, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, TERCEIRA SEÇÃO, e-DJF1 p.35 de 05/11/2013). 3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo da 5ª. Vara da Seção Judiciária do Estado do Pará, ora suscitado. (TRF-1 - CC: 00055816920164010000 000558169.2016.4.01.0000, Relator: JUIZ FEDERAL CLEBERSON JOSÉ ROCHA (CONV.), Data de Julgamento: 26/07/2016, TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: 03/08/2016 e-DJF1)
Assim, verificada a flagrante incompetência deste juízo para apreciar o feito, devem os presentes autos serem remetidos para o Juízo da 8ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal em consonância com o disposto no art. 64, § 3º CPC [...]".
O delinear dos fatos e o contorno jurídico que a matéria atrai não deixa dúvidas de que este juízo não é o natural para prestar a jurisdição buscada. Insistir na presidência do feito seria inquinar de nulidade o processo, em desserviço aos interesses das partes e à efetividade das manifestações judiciais. O mais consentâneo, portanto, é aplicar o disposto no art. 485, IV, do CPC, consagrando-se a incompetência deste juízo.
Pelo exposto, extingo o feito sem resolução do mérito.
Em homenagem ao princípio da causalidade, condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo, com fulcro no art. 85, §8°, do CPC, em R$ 4.000,00.
Custas na forma da lei.
Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com baixa na sua distribuição.
P.R.I.
Espaço para informação sobre temas relacionados ao direito médico, odontológico, da saúde e bioética.
- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.