RESOLUÇÃO CFM Nº 2.292, de 29 de
abril de 2021
Estabelece que a administração de
hidroxicloroquina e cloroquina em apresentação inalatória é procedimento experimental,
só podendo ser utilizada por meio de protocolos de pesquisa aprovados pelo
sistema CEP/CONEP.
O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA,
no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957,
alterada pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, regulamentada pelo
Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, alterado pelo Decreto nº 6.821, de
14 de abril de 2009, e pela Lei nº 12.842, de 10 de julho de 2013;
CONSIDERANDO que o alvo de toda
atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com
o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional;
CONSIDERANDO que ao médico cabe
zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da medicina e pelo prestígio e
bom conceito da profissão;
CONSIDERANDO que é dever do
médico guardar absoluto respeito pela saúde e vida do ser humano, sendo-lhe
vedado realizar atos não consagrados nos meios acadêmicos ou ainda não aceitos
pela comunidade científica;
CONSIDERANDO que é vedado ao
médico usar experimentalmente qualquer tipo de terapêutica ainda não liberada
para uso em nosso país sem a devida autorização dos órgãos competentes e sem o
consentimento do paciente ou de seu responsável legal, devidamente informado da
situação e das possíveis consequências;
CONSIDERANDO o art. 7º da Lei nº
12.842/2013, segundo o qual "compreende-se entre as competências do Conselho
Federal de Medicina editar normas para definir o caráter experimental de
procedimentos em Medicina, autorizando ou vedando a sua prática pelos
médicos"; e seu parágrafo único, que estabelece que a "competência
fiscalizadora dos Conselhos Regionais de Medicina abrange a fiscalização e o
controle dos procedimentos especificados no caput, bem como a aplicação de
sanções pertinentes em caso de inobservância das normas determinadas pelo
Conselho Federal";
CONSIDERANDO a Resolução CFM nº
1.982/2012, que dispõe sobre os critérios de protocolo e avaliação para o reconhecimento
de novos procedimentos e terapias médicas pelo Conselho Federal de Medicina;
CONSIDERANDO, finalmente, o
decidido na sessão plenária de 29 de abril de 2021, resolve:
Art. 1º Considerar a
administração de hidroxicloroquina e cloroquina em apresentação inalatória como
procedimento experimental para a prática médica de acordo com as fundamentações
contidas no anexo desta resolução, só podendo ser realizada por meio de
protocolos de pesquisa aprovados pelo sistema CEP/CONEP, em instituições
devidamente credenciadas.
Art. 2º Esta resolução entra em
vigor na data de sua publicação, tendo o seu anexo publicado, na íntegra, no
sítio eletrônico www.portalmedico.org.br.
MAURO LUIZ DE BRITTO RIBEIRO
Presidente do Conselho
DILZA TERESINHA AMBRÓS RIBEIRO
Secretária-Geral
ANEXO
HIDROXICLOROQUINA E CLOROQUINA EM
APRESENTAÇÃO INALATÓRIA PARA O TRATAMENTO DA COVID-19
INTRODUÇÃO
O sulfato de hidroxicloroquina
(HCQ) é o ingrediente farmacêutico ativo (IFA) usado em diversos medicamentos
indicados para o tratamento da malária e de muitas doenças inflamatórias e
autoimunes. São apresentados comercialmente na forma de comprimidos e
comprimidos revestidos, todos para uso oral, não havendo registro de
medicamento à base de cloroquina ou hidroxicloroquina na apresentação
farmacêutica inalatória disponível em qualquer mercado do mundo para o tratamento
de qualquer doença. (1)
A biodisponibilidade da HCQ é de
67% a 74% da dose ingerida. Uma dose oral de 200 mg de hidroxicloroquina tem
meia[1]vida de 537 horas ou
22,4 dias no sangue, e 2.963 horas ou 123,5 dias no plasma. Uma dose
intravenosa de 155 mg tem meia-vida de 40 dias. A via de eliminação é de 40-50%
por via renal; 25% de uma dose é excretada na pele e 24-25% é eliminada pelas
fezes.
Além do IFA, os medicamentos à
base de HCQ e cloroquina (CQ) também incluem excipientes que podem variar conforme
o fabricante, dentro de uma lista possível de ingredientes aceitos pelas
agências reguladoras de medicamentos.
Conforme informações da bula do
produto da Aspen, são os seguintes os excipientes contidos na fórmula do
Reuquinol: croscarmelose sódica, dióxido de titânio, estearato de magnésio,
lactose, polividona, amido, hidroxipropilmetilcelulose e polietilenoglicol. (2)
A composição da HCQ da EMS
informada na bula do produto contém os seguintes excipientes: amido
pré-gelatinizado, fosfato de cálcio dibásico di-hidratado, estearato de
magnésio e hipromelose + macrogol + dióxido de titânio. (3)
Ainda conforme as informações da
bula do difosfato de cloroquina da Farmanguinhos, o medicamento contém os seguintes
excipientes: amido de milho, estearato de magnésio, talco 325 mesh, manitol
oral em pó e água purificada. (4)
REQUISITOS PARA REGISTRO DE NOVA
APRESENTAÇÃO DE HCQ OU CQ INALATÓRIA
Para que haja uma nova
apresentação farmacêutica de HCQ ou CQ para uso inalatório, forçosamente há que
se estabelecer nova posologia com base nos estudos de biodisponibilidade e
farmacocinética (PK) da nova apresentação, em comparação com a apresentação
oral, sempre em indivíduos sadios.
Para os testes, o fabricante,
além de formular o produto-teste para inalação, ainda deverá desenvolver um
protótipo de inalador que será usado nos ensaios clínicos e depois fará parte
do novo produto a ser lançado no mercado.
Na formulação do produto-teste,
além do IFA, no caso o sulfato de hidroxicloroquina, também são acrescentados
os excipientes autorizados para soluções inalatórias, que visam a manutenção da
eficácia e da conservação do produto, sem apresentar riscos às vias aéreas dos
pacientes.
APRESENTAÇÃO INALATÓRIA PARA A
HCQ/CQ
Com a pandemia da covid-19, ao
mesmo tempo que os pesquisadores se mostraram entusiasmados com os relatos preliminares
e promissores da HCQ no tratamento da doença, estavam também preocupados com os
potenciais eventos adversos, em vista das altas doses necessárias para alcançar
o efeito antiviral pretendido.
A hipótese inicial para o uso da
hidroxicloroquina inalatória foi de que a administração da droga por essa via,
em doses menores, possibilitaria concentrações maiores no tecido pulmonar (alvo
inicial da infecção) do que aquela administrada por via oral.
ESTUDOS SOBRE HCQ INALATÓRIA
Em busca de estudos clínicos
sobre a intervenção com a HCQ inalatória encontramos artigos de opinião e
alguns raros estudos de farmacocinética. Selecionamos três desses artigos, que
descrevemos em seguida, cujos links para os artigos completos estão na
bibliografia consultada.
O artigo de Kavanagh et al. (5)
discorre sobre a necessidade de ajustes de doses de HCQ oral para reduzir
eventos adversos no tratamento contra a covid-19 em grupos especiais de
pacientes. Refere que fez uma análise em mais de uma centena de estudos listados
no Clinical Trials e que o ajuste de doses não foi feito na maioria desses
estudos.
Aventa a possibilidade de uso de
menores quantidades do fármaco se existisse uma apresentação inalatória, o que
levaria a maior eficácia no tratamento da covid-19, com menor risco de eventos
adversos.
Para isso tomou como base estudos
de fase 1 e 2 em que uma solução de HCQ para inalação em inalador próprio foi estudada
por Dayton, em 2006, em voluntários com asma. No entanto, não encontramos o
artigo original referido, mas apenas a comunicação do autor sobre o seu estudo
que consta numa citação no Google Scholar. (5)
No artigo de Albariqi et al. (6)
os pesquisadores expõem a mesma questão e se referem a uma técnica magistral
para obter de maneira prática, na farmácia terapêutica do próprio Hospital, uma
apresentação inalatória a partir de sulfato de HCQ em pó estéril suspendido em
soro fisiológico e preservado com cloreto de benzalcônio.
Nesse último artigo a mesma
temática é abordada de fato em uma carta ao editor do British Journal of
Pharmacology, que em tradução automática diz o que se segue: (7)
"A distribuição pulmonar
direcionada de hidroxicloroquina em aerossol foi descrita anteriormente para
várias condições respiratórias, com ensaios clínicos de Fase 2a em pacientes
asmáticos que não demonstraram eventos adversos (Aradigm, 2006).
Um estudo recente sobre
hidroxicloroquina inalada em doses de até 4 mg/dia descobriu que a droga era
bem tolerada, afora um sabor amargo transitório após inalação (Klimke, Hefner,
Will, & Voss, 2020). Embora mais evidências sejam necessárias para
determinar a eficácia da hidroxicloroquina em aerossol no tratamento de
COVID‐19, a administração pulmonar direcionada de baixa dose representa um
método de administração seguro e potencialmente preferido, particularmente
dados os supostos mecanismos pelos quais a hidroxicloroquina atua contra o
SARS‐CoV‐2.
A solução para inalação de
sulfato de hidroxicloroquina pode ser preparada rotineiramente em farmácias
hospitalares, combinando sulfato de hidroxicloroquina em pó estéril com água
estéril ou cloreto de sódio a 0,9% (0,5% peso/volume) como veículo, sempre em
condições assépticas.
O cloreto de benzalcônio (0,01%
ou 0,1 mg/mL), um componente de vários produtos aprovados pela FDA com
segurança clinicamente demonstrada, pode ser adicionado à solução como
conservante. A mistura resultante pode ser usada como solução estoque a partir
da qual as doses podem ser administradas em volumes considerados apropriados
pelos médicos que tratam os doentes. Geralmente, 3-5 mL podem ser administrados
por nebulização ou inalação em ambiente fechado, com uma dose de carga de
inalação duas vezes ao dia no primeiro dia de terapia. Posteriormente, a
dosagem de 3-5 mL uma vez ao dia deve ser suficiente, pois o sulfato de
hidroxicloroquina tem meia-vida e tempo de residência no tecido de pelo menos
40 dias (Browning, 2014).
À luz das consequências
observadas com o uso disseminado de hidroxicloroquina em altas doses,
administradas por via oral no tratamento de COVID-19, o teste clínico dos
parâmetros farmacológicos da hidroxicloroquina inalada ou nebulizada deve ser
de alta prioridade.
Deve-se observar que os autores
não defendem o uso de hidroxicloroquina no tratamento de COVID‐19, pois a
evidência clínica existente é inconclusiva e limitada pelo desenho do estudo.
No entanto, se a hidroxicloroquina for administrada em pacientes com COVID‐19
gravemente enfermos, a terapia inalatória ou nebulizada de baixa dosagem pode
conferir os benefícios de concentrações de drogas semelhantes ou maiores nos
tecidos pulmonares, com menos efeitos adversos sistêmicos (incluindo
cardiotoxicidade), diminuição da carga sobre o sistema de saúde e diminuição da
pressão sobre o suprimento existente de hidroxicloroquina".
MONITORAMENTO DE NOVOS ESTUDOS
COM HCQ INALATÓRIA
Com o objetivo de monitorar o
horizonte tecnológico no que concerne à HCQ inalada realizamos uma busca no
site ClinicalTrials.gov, em 6 de abril de 2021. (8)
Encontramos 3 estudos de fase 1
em indivíduos saudáveis testando novos produtos-teste inaláveis de HCQ em
estudos de farmacocinética (PK). Encontramos ainda um outro estudo pequeno, que
será realizado com 28 pacientes com câncer e covid-19 que receberão a HCQ
inalada. Porém, o estudo ainda não iniciou a fase de recrutamento.
Em resumo, não foram encontrados
resultados de estudos que tivessem estudado a aplicação da HCQ inalada em pacientes
com covid-19.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O sulfato de hidroxicloroquina é
o IFA (ingrediente farmacêutico ativo) de uma ampla gama de medicamentos
produzidos e comercializados por diversos fabricantes no mundo todo;
As indicações da bula são para o
tratamento da malária e de diversas doenças inflamatórias crônicas e autoimunes.
A administração é oral e o medicamento apresenta biodisponibilidade de cerca de
70% e meia-vida de mais de 22 dias;
São drogas conhecidas e
utilizadas há muito tempo, que podem desencadear alguns tipos de eventos
adversos graves dose-dependentes, mas que podem ser importantes em certos
grupos de pacientes;
Aventou-se que a apresentação
inalada de cloroquina ou hidroxicloroquina poderia ser uma alternativa para
reduzir as doses sistêmicas com alta concentração no sistema respiratório,
proporcionando menor risco de eventos adversos.
Porém, não há até o momento nem
registro nem comercialização de um produto de HCQ inalável em nenhuma parte do mundo;
Não foram encontrados estudos que
tenham utilizado produtos de HCQ para administração inalatória no tratamento da
covid-19. Encontramos artigos de opinião e alguns poucos estudos de
farmacocinética (PK) em pessoas sadias;
A simples dissolução de um
comprimido de HCQ para produzir uma solução para inalação não deve ser
considerada, em vista dos excipientes presentes no produto, que podem ser
agressivos às vias aéreas, e da dificuldade de estabelecer as dosagens
compatíveis com os limites da administração inalada;
As apresentações orais de HCQ e
CQ de diferentes fabricantes podem ter excipientes diferentes de uma lista de excipientes
para medicamentos orais recomendada pelas agências reguladoras de medicamentos;
É obrigatório que os excipientes
estejam listados em bula, pois são de interesse dos alérgicos e diabéticos, por
exemplo;
O uso off label de um medicamento
registrado para outra indicação clínica ainda insuficientemente estudada traz
grande dose de incerteza para o médico e para o doente, motivo pelo qual o CFM
trata esse tema com cuidados de pesquisa, sempre centrada na relação
médico-paciente, que deve ser individualizada, esclarecida e consentida;
A decisão de usar uma nova
apresentação (inalada) de HCQ ainda não registrada em nenhuma parte do mundo acrescenta
ainda mais incerteza ao tratamento e maior responsabilidade ao médico, pois ele
não tem garantida sua eficácia e segurança;
A obtenção de nova apresentação
medicamentosa para uso inalatório é um processo complexo, da competência de farmacêuticos
especializados em técnica farmacêutica. Esse fato não pode ser ignorado pelo
médico que pretende prescrever tal produto, pois se trata de procedimento
experimental e está fora de sua competência responsabilizar-se pela qualidade,
pureza e segurança de um produto experimental que foi processado por outro
profissional de saúde;
A farmacocinética de um
medicamento em apresentação inalada é muito diferente da farmacocinética do
mesmo produto na forma oral. São necessários estudos bem desenhados e bem
conduzidos para que a correspondência entre as duas formas farmacêuticas seja
estabelecida;
Para finalizar, a lista de
excipientes permitidos para apresentações inaladas é diferente daquela aprovada
para as apresentações orais, e é de grande interesse para a terapêutica que
estejam em conformidade com as especificações, seja para garantir a preservação
da eficácia e da esterilidade do produto, seja para evitar a exposição dos
doentes a agentes reconhecidamente irritantes ou alergênicos das vias aéreas.
BIBLIOGRAFIA
1. Hydroxychloroquine - DrugBank
https://go.drugbank.com/drugs/DB01611
2.Bula ASPEN - sulfato de
hidroxicloroquina
https://pro.consultaremedios.com.br/bula/reuquinol
3.Bula EMS - sulfato de
hidroxicloroquina
https://img.drogasil.com.br/raiadrogasil_bula/SulfatodeHidroxicloroquina400mgEMS.pdf
4.Bula difosfato de cloroquina -
Farmanguinhos
https://pro.consultaremedios.com.br/bula/farmanguinhos-cloroquina
5 Inhaled hydroxychloroquine to improve
efficacy and reduce harm in the treatment of COVID-19, Med Hypotheses, out 2020
Kavanagh et al from SSPC, The Science Foundation Ireland Research Centre for
Pharmaceuticals, Ireland
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7361049/
6 Inhalable Hydroxychloroquine Powders for
Potential Treatment of COVID-19, Journal of Aerossol medicine and pulmonary
drug delivery, Albariqi A. H et al Published Online:3 February 2021
https://doi.org/10.1089/jamp.2020.1648
https://www.liebertpub.com/doi/10.1089/JAMP.2020.1648
7 Novel approach for low‐dose pulmonary
delivery of hydroxychloroquine in COVID‐19, Fassihi SC et al First published:
19 June 2020 British Journal of Pharmacology.
https://bpspubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/bph.15167
8 ClinicalTrials- Hydroxychloroquine inhaled-
SEARCH 6/04/2021
https://clinicaltrials.gov/ct2/results?recrs=&cond=&term=hydroxychloroquine+inhaled&cntry=&state=&city=&dist=
Fonte: Diário Oficial, Imprensa Nacional - Nº 89 - DOU de 13/05/21 - Seção 1 – p.411