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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Processo nº 0061043-56.2012.8.26.0053 - Responsabilidade civil odontológica - Ausência de Informação

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Remessa Necessária nº 0061043-56.2012.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes ESTADO DE SÃO PAULO e INSTITUTO DE ASSISTÊNCIA MÉDICA AO SERVIDORPÚBLICO ESTADUAL - IAMSP e Recorrente JUÍZO EX OFFICIO, são apelados VINICIUS DE JESUS MALTEZI (REPRESENTADO(A) POR SUA MÃE) e MARIAEDNA BARBOSA DE JESUS (REPRESENTANDO MENOR(ES)).
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento em parte aos recursos. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores SIDNEY ROMANO DOSREIS (Presidente) e LEME DE CAMPOS.
São Paulo, 23 de janeiro de 2019.
Maria Olívia Alves
Relator

Voto nº. 27.090
Apelação nº. 0061043-56.2012.8.26.0053
Apelante: Estado de São Paulo e outro
Apelado: Vinícius de Jesus Maltezi (representado por sua genitora)
Comarca: 1ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo
Juiz: Dr. Danilo Mansano Barioni

APELAÇÃO e REEXAME NECESSÁRIO - Ação indenizatória ajuizada contra o IAMSPE e o Estado de São Paulo – Reparação de danos morais e materiais - Autor, menor de idade e portador da síndrome do X frágil, que foi submetido à extração de todos os dentes, sem consentimento dos pais - Procedência do pedido - Pretensão de reforma - Possibilidade, em parte – Procedimento cirúrgico ocorrido em hospital do IAMSPE, autarquia estadual prestadora de serviços médico-hospitalares – Responsabilidade objetiva estatal caracterizada - Nexo de causalidade entre a conduta dos prepostos do IAMSPE e o evento danoso – Prova pericial que concluiu pela inadequação do tratamento odontológico adotado, bem como pelo comprometimento da alimentação e da fala do autor - Dano material comprovado - Necessidade de recomposição da função mastigatória do autor mediante implante dentário e de tratamento fonoaudiológico - Dano moral presumido - Valor indenizatório bem fixado - Sentença mantida - Hipótese, contudo, de responsabilidade subsidiária, e não solidária, do Estado - Parcial provimento do recurso, com solução extensiva ao reexame necessário.
Trata-se de ação condenatória movida por Vinícius de Jesus Mazei, menor representado por sua genitora, contra o Estado de São Paulo e o IAMSPE, para obter a condenação dos requeridos no pagamento da indenização por danos morais e materiais, por ser portador de autismo e ter sido submetido à extração de todos os dentes sem o consentimento dos seus pais e com comprometimento das funções de alimentação e fala.


Conforme a r. sentença de fls. 347/353, o pedido foi julgado procedente para condenar os réus solidariamente no pagamento de R$70.000,00 (setenta mil reais), a título de indenização por danos morais, com acréscimo de atualização monetária a partir do arbitramento, segundo a tabela prática deste TJSP, e juros de mora, desde a citação, observado o que foi decidido pelo EG. STF no julgamento do Tema 810, bem como a custear o tratamento necessário à recomposição da dentição do autor, com implantes dentários que permitam a recuperação da função mastigatória e estética, e, após, a fornecer tratamento fonoaudiólogo, em 60 (sessenta dias) após o trânsito em julgado, sob pena de restar autorizado o tratamento em ambiente particular às expensas dos réus. Foram estes, ainda, condenados a pagar honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) do valor atualizado da indenização por danos morais.

Inconformados, apelam os réus. Sustentam, em síntese, que é indevida a condenação do Estado por falha médica atribuída a prepostos do IAMSPE. Asseveram que a responsabilidade civil por suposto erro médico é contratual, de modo que não se aplica ao caso o art. 37, §6º, da Constituição Federal. Afirmam que o atendimento médico impõe obrigação de meio e não de resultado, e que no caso, foi desconsiderado relatório médico existente nos autos que justifica a necessidade de extração completados dentes do menor e rechaça a alegação de imprudência ou imperícia por parte da equipe que o atendeu. Pedem, assim, a improcedência do pedido ou a redução do valor indenizatório arbitrado, bem como seja afastada a determinação de custeio de tratamento particular, e pedem a aplicação integral da Lei nº. 11.960/09 (fls. 357/368).

Foram apresentadas contrarrazões (fls. 372/377).

Por fim, a d. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 383/387).

Sobem os autos, também, para o reexame necessário.

É o relatório.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e lhe dou parcial provimento, com solução extensiva ao reexame necessário.

Com efeito, o IAMSPE, nos termos do art. 2º do Decreto-Lei nº. 257/1970, é autarquia estadual criada com a finalidade de prestar assistência médica e hospitalar aos servidores públicos estaduais e seus agregados.

Possui, assim, personalidade jurídica e patrimônio próprios, e, na condição de autarquia, integra a administração estadual indireta.

Tal circunstância, porém, não impõe o reconhecimento da ilegitimidade passiva do Estado, mas apenas de que este possui responsabilidade subsidiária e não solidária em relação à autarquia.

Assim, é possível a responsabilização de ambos os réus, que devem ser mantidos no polo passivo, apenas com a ressalva supra.

Ultrapassada tal questão, passa-se à análise do mérito.

A responsabilidade civil dos réus, no caso concreto, deflui do comando inserto no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, segundo o qual “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”.

Assim, basta que a vítima demonstre a existência do nexo de causalidade entre a conduta dos prepostos do ente público e a ocorrência do dano para que ocorra a responsabilização.

Consta dos autos que o autor, à época com apenas 10 anos de idade e portador da síndrome do X frágil, em tratamento odontológico junto ao Hospital do Servidor Público Estadual por apresentar quadro de cárie dentária, foi submetido a cirurgia em 22/05/2007 que culminou na extração de todos os seus dentes sem que seus pais fossem informados quanto à necessidade da medida.

A retirada total dos dentes provocou danos graves às funções mastigatória e fonética do autor, que, assim, ingressou com esta demanda para obter reparação por danos materiais, consistente no fornecimento de tratamento dentário e fonoaudiológico, bem como o pagamento de indenização por danos morais.

Não há controvérsia acerca da ocorrência dos fatos.

Os recorrentes não negam que tenha havido a extração completa dos dentes do autor. Limitam-se a sustentar a ausência de responsabilidade do Estado pelos fatos imputáveis a prepostos do IAMSPE, bem como a ausência de responsabilidade deste último por não ter restado caracterizado falha ou erro no atendimento odontológico prestado ao autor.

Mas os recorrentes não têm razão.

Os elementos de prova existentes nos autos são suficientes a comprovar a responsabilidade dos réus diante da falha na prestação do serviço de saúde verificada no caso concreto.

Foi realizada perícia pelo IMESC que concluiu que a extração total de irrestrita de todos os dentes do autor não consistiu em medida adequada e não obedeceu às regras consagradas da literatura científica aplicáveis ao caso (fls. 301/305).

Mais especificamente, consignou o expert que “O procedimento cirúrgico realizado contemplou a extração múltipla de dentes sem o consentimento e o esclarecimento dos pais”, bem como que “O tratamento realizado provocou prejuízo estético, fonético e mastigatório conforme descrito em documento de fls. 19” (fl. 304).

E tal perícia, por ser imparcial, prevalece sobre o relatório médico unilateralmente produzido a que os recorrentes fazem referência.

No caso, portanto, verifica-se que o IAMSPE, por meio de seus prepostos, não cuidou de realizar o tratamento dentário do autor de forma correta, como era o esperado, a acarretar severos danos estéticos, bem como à fala e à deglutição do autor, que teve todos os dentes indevidamente arrancados sem o consentimento esclarecido de seus genitores.

Caracterizado, portanto, o nexo causal entre a má-prestação do serviço público de saúde e os danos físicos sofridos pelo autor, o que é suficiente para se concluir pela responsabilização dos entes públicos no caso concreto.

Quanto aos danos morais, estes são evidentes.

É inegável a dor que o autor suportou em razão da indevida extração de todos os seus dentes, a acarretar comprometimentos estéticos, na fala e na mastigação.

Na verdade, o dano alegado deriva do próprio fato ofensivo, de sorte que, provada a ofensa, de plano, está demonstrado o dano moral.

De outra parte, deve ser considerado que a fixação do valor indenizatório deve seguir o princípio da razoabilidade. Assim, a reparação do dano moral, exatamente porque não comporta medição matemática, deve ser avaliada em cada caso concreto, segundo suas particularidades e circunstâncias. Não pode servir, de um lado, como fator de enriquecimento da vítima, nem de outro lado ser de valor desprezível para o causador do dano, pois aí não se atenderia ao objetivo de lhe mostrar a reprovabilidade social da sua conduta.

E cumpre reconhecer que o valor fixado a título de danos morais não avilta o lesado, tampouco propicia seu enriquecimento indevido, da mesma forma que se mostra proporcional à conduta ilícita do requerido, prestando-se adequadamente à natureza ressarcitório-punitiva da indenização.

O único reparo a ser feito na r. sentença consiste no reconhecimento da responsabilidade subsidiária, e não solidária, do Estado na hipótese dos autos, de modo que, para esse fim, o recurso comporta parcial provimento.

Por fim, mantida a procedência do pedido, registro a necessidade de majoração dos honorários advocatícios fixados anteriormente, considerado o trabalho adicional realizado pelo patrono em grau recursal, nos termos do que dispõe o art. 85, §11, do CPC/2015, razão pela qual elevo a verba honorária para 12% do valor atualizado da condenação.

Ante o exposto, pelo meu voto e para os fins acima, dou parcial provimento ao recurso, com solução extensiva ao reexame necessário.

MARIA OLÍVIA ALVES
Relatora