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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

sábado, 15 de janeiro de 2022

Decisão liminar do TRF1 suspende parcialmente Resolução CFO 230/2020


PROCESSO: 1031790-82.2021.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 1048510-73.2021.4.01.3800
CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202)
POLO ATIVO: MARIA LUISA DE FREITAS ROMANO e outros
REPRESENTANTES POLO ATIVO: TIAGO AUGUSTO LEITE RETES - MG143584-A
POLO PASSIVO:CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA e outros
REPRESENTANTES POLO PASSIVO: PAULO VIANA CUNHA - MG87980-A
 
DECISÃO
Fls. 276-83: os autores Maria Luisa de Freitas Romano e outros (cirurgiões-dentistas) agravaram da decisão (30.07.2021) que indeferiu a tutela provisória requerida para suspender a vedação prevista no art. 1º da Resolução 230/2020 do Conselho Federal de Odontologia/CFO e impedir o Conselho Regional de Odontologia/CRO/MG de instaurar sindicâncias e processos ético-disciplinares com base nessa norma.
 
O julgado concluiu, em resumo, que o CFO tem competência para estabelecer essa vedação, nos termos do art. 4º, “g”, da Lei 4.324/1964. Além disso, “apesar de localizados na área anatômica de atuação da Odontologia, determinados procedimentos ainda não constam no conteúdo programático dos cursos de graduação e pós-graduação em Odontologia, e também a carência de literatura científica relacionando tais procedimentos à prática odontológica”.
 
Existe parcial probabilidade de provimento do recurso (CPC, arts. 300 e 932/II). Nos termos da Lei 4.324/1964, o Conselho Federal de Odontologia/CFO “tem por finalidade a supervisão da ética profissional ... cabendo-lhe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da odontologia e pelo prestígio da profissão e dos que a exercem legalmente” (art. 1º).
 
Os réus CFO/CRO-MG são autarquias federais, estando, assim, submetidos ao princípio da legalidade, por força do qual só podem fazer o que a lei autoriza (Constituição, art. 37). Daí que é ilegal a vedação prevista no art. 1º Resolução CFO 230/2020, porque nada tem a ver com a “supervisão ética profissional”. Ao contrário disso, constitui obstáculo ao exercício profissional garantido pela Lei 5.081/1966, art. 6º/I:
 
“Art. 1º. Fica vedado ao cirurgião-dentista a realização dos seguintes procedimentos cirúrgicos na face:
a) Alectomia;
b)Blefaroplastia;
c) Cirurgia de castanhares ou lifting de sobrancelhas;
d) Otoplastia;
e) Rinoplastia; e,
f) Ritidoplastia ou Face Lifting
 
A atribuição do CFO, de “expedir as instruções necessárias ao funcionamento dos conselhos regionais” (Lei 4.324/1964, art. 4º, alínea “g”), evidentemente, não autoriza a vedação prevista no art. 1º da mencionada resolução.
 
Ainda que o CFO tivesse competência para estabelecer vedações ao exercício profissional, os procedimentos cirúrgicos na face humana são atos pertinentes aos graduados e pós-graduados em Odontologia, conforme a Lei 5.081/1966:
 
“Art. 6º Compete ao cirurgião-dentista:
I - praticar todos os atos pertinentes a Odontologia, decorrentes de conhecimentos adquiridos em curso regular ou em cursos de pós-graduação;
 
“Odontologia é a área da saúde humana que estuda e trata do sistema estomatognático – que compreende o crânio, a face, o pescoço e cavidade bucal, abrangendo ossos, musculatura mastigatória, articulações, dentes e tecidos” .
 
Não cabe ao Conselho Federal de Odontologia “questionar” a formação acadêmica dos graduados ou pós-graduados (os agravantes/autores). Isso é atribuição do Conselho Nacional de Educação, conforme Resolução 3 de 21.06.2021, editada com fundamento na Lei 9.394/1996, art. 9º, de “diretrizes e base da educação nacional”:
 
Art. 9º. A União incumbir-se-á de:
...
VII - baixar normas gerais sobre cursos de graduação e pós-graduação;
...
IX - autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu sistema de ensino.
 
As “atividades privativas do médico”, previstas no art. 4º da Lei 12.842/2013, “não se aplicam ao exercício da Odontologia, no âmbito de sua área de atuação” ( § 6º). Isso significa que estão preservados “todos os atos pertinentes à Odontologia”, nos termos do art. 6º/I da Lei 5.081/1966.
 
As vedações aos profissionais de Odontologia são aquelas previstas no art. 7º da Lei 5.081/1966 e as relacionadas com a “ética profissional” cabendo ao Conselho Federal de Odontologia regulamentar esta última:
 
“Art. 7º. É vedado ao cirurgião-dentista:
a) expor em público trabalhos odontológicos e usar de artifícios de propaganda para granjear clientela;
b) anunciar cura de determinadas doenças, para as quais não haja tratamento eficaz;
c) exercício de mais de duas especialidades;
d) consultas mediante correspondência, rádio, televisão ou meios semelhantes;
e) prestação de serviço gratuito em consultórios particulares;
f) divulgar benefícios recebidos de clientes;
g) anunciar preços de serviços, modalidades de pagamento e outras formas de comercialização da clínica que signifiquem competição desleal.
 
Publicidade e propaganda
Todavia, é legal a vedação prevista no art. 2º da Resolução 230/2020, porque se relaciona com “supervisão da ética profissional” de competência do Conselho Federal de Odontologia conforme o art. 1º da Lei 4.324/1964):
 
“Art. 2º. Fica vedado também ao cirurgião-dentista a realização de publicidade e propaganda de procedimentos não odontológicos e alheios à formação superior em Odontologia, a exemplo de:
a) Micro pigmentação de sobrancelhas e lábios;
b) Maquiagem definitiva;
c) Design de sobrancelhas;
d) Remoção de tatuagens faciais e de pescoço;
e) Rejuvenescimento de colo e mãos;
e) Tratamento de calvície e outras aplicações capilares.
 
Essa vedação está coerente com o Código de Ética Odontológica aprovado pela Resolução CFO 118/2012:
 
“Art. 44. Constitui infração ética:
II - anunciar ou divulgar títulos, qualificações, especialidades que não possua, sem registro no Conselho Federal, ou que não sejam por ele reconhecidas;
 
DISPOSITIVO
Defiro a tutela provisória recursal, em parte, somente para suspender os efeitos da vedação prevista no art. 1º da Resolução CFO 230/2020 relativamente aos agravantes/autores, devendo o processo prosseguir como for de direito.
 
Comunicar ao juízo de origem para cumprir esta decisão (19ª vara da SJ/MG), intimar as partes, podendo os agravados responder em 30 dias (CPC, art. 183 e 1.019/II).
 
Brasília, 07.01.2022
NOVÉLY VILANOVA DA SILVA REIS
Juiz do TRF-1 Relator