PROCESSO:
1031790-82.2021.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 1048510-73.2021.4.01.3800
CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO
(202)
POLO ATIVO: MARIA LUISA DE
FREITAS ROMANO e outros
REPRESENTANTES POLO ATIVO: TIAGO
AUGUSTO LEITE RETES - MG143584-A
POLO PASSIVO:CONSELHO FEDERAL DE
ODONTOLOGIA e outros
REPRESENTANTES POLO PASSIVO:
PAULO VIANA CUNHA - MG87980-A
DECISÃO
Fls. 276-83: os autores Maria
Luisa de Freitas Romano e outros (cirurgiões-dentistas) agravaram da decisão
(30.07.2021) que indeferiu a tutela provisória requerida para suspender a
vedação prevista no art. 1º da Resolução 230/2020 do Conselho Federal de
Odontologia/CFO e impedir o Conselho Regional de Odontologia/CRO/MG de
instaurar sindicâncias e processos ético-disciplinares com base nessa norma.
O julgado concluiu, em resumo,
que o CFO tem competência para estabelecer essa vedação, nos termos do art. 4º,
“g”, da Lei 4.324/1964. Além disso, “apesar de localizados na área anatômica de
atuação da Odontologia, determinados procedimentos ainda não constam no conteúdo
programático dos cursos de graduação e pós-graduação em Odontologia, e também a
carência de literatura científica relacionando tais procedimentos à prática
odontológica”.
Existe parcial probabilidade de
provimento do recurso (CPC, arts. 300 e 932/II). Nos termos da Lei 4.324/1964,
o Conselho Federal de Odontologia/CFO “tem por finalidade a supervisão da ética
profissional ... cabendo-lhe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético
da odontologia e pelo prestígio da profissão e dos que a exercem legalmente”
(art. 1º).
Os réus CFO/CRO-MG são autarquias
federais, estando, assim, submetidos ao princípio da legalidade, por força do
qual só podem fazer o que a lei autoriza (Constituição, art. 37). Daí que é
ilegal a vedação prevista no art. 1º Resolução CFO 230/2020, porque nada tem a
ver com a “supervisão ética profissional”. Ao contrário disso, constitui
obstáculo ao exercício profissional garantido pela Lei 5.081/1966, art. 6º/I:
“Art. 1º. Fica vedado ao
cirurgião-dentista a realização dos seguintes procedimentos cirúrgicos na face:
a) Alectomia;
b)Blefaroplastia;
c) Cirurgia de castanhares ou
lifting de sobrancelhas;
d) Otoplastia;
e) Rinoplastia; e,
f) Ritidoplastia ou Face Lifting
A atribuição do CFO, de “expedir
as instruções necessárias ao funcionamento dos conselhos regionais” (Lei
4.324/1964, art. 4º, alínea “g”), evidentemente, não autoriza a vedação
prevista no art. 1º da mencionada resolução.
Ainda que o CFO tivesse
competência para estabelecer vedações ao exercício profissional, os
procedimentos cirúrgicos na face humana são atos pertinentes aos graduados e
pós-graduados em Odontologia, conforme a Lei 5.081/1966:
“Art. 6º Compete ao cirurgião-dentista:
I - praticar todos os atos
pertinentes a Odontologia, decorrentes de conhecimentos adquiridos em curso
regular ou em cursos de pós-graduação;
“Odontologia é a área da saúde
humana que estuda e trata do sistema estomatognático – que compreende o crânio,
a face, o pescoço e cavidade bucal, abrangendo ossos, musculatura mastigatória,
articulações, dentes e tecidos” .
Não cabe ao Conselho Federal de
Odontologia “questionar” a formação acadêmica dos graduados ou pós-graduados
(os agravantes/autores). Isso é atribuição do Conselho Nacional de Educação,
conforme Resolução 3 de 21.06.2021, editada com fundamento na Lei 9.394/1996,
art. 9º, de “diretrizes e base da educação nacional”:
Art. 9º. A União incumbir-se-á
de:
...
VII - baixar normas gerais sobre
cursos de graduação e pós-graduação;
...
IX - autorizar, reconhecer,
credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das
instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu sistema de
ensino.
As “atividades privativas do
médico”, previstas no art. 4º da Lei 12.842/2013, “não se aplicam ao exercício
da Odontologia, no âmbito de sua área de atuação” ( § 6º). Isso significa que
estão preservados “todos os atos pertinentes à Odontologia”, nos termos do art.
6º/I da Lei 5.081/1966.
As vedações aos profissionais de
Odontologia são aquelas previstas no art. 7º da Lei 5.081/1966 e as
relacionadas com a “ética profissional” cabendo ao Conselho Federal de
Odontologia regulamentar esta última:
“Art. 7º. É vedado ao
cirurgião-dentista:
a) expor em público trabalhos
odontológicos e usar de artifícios de propaganda para granjear clientela;
b) anunciar cura de determinadas
doenças, para as quais não haja tratamento eficaz;
c) exercício de mais de duas
especialidades;
d) consultas mediante
correspondência, rádio, televisão ou meios semelhantes;
e) prestação de serviço gratuito
em consultórios particulares;
f) divulgar benefícios recebidos
de clientes;
g) anunciar preços de serviços,
modalidades de pagamento e outras formas de comercialização da clínica que
signifiquem competição desleal.
Publicidade e propaganda
Todavia, é legal a vedação
prevista no art. 2º da Resolução 230/2020, porque se relaciona com “supervisão
da ética profissional” de competência do Conselho Federal de Odontologia
conforme o art. 1º da Lei 4.324/1964):
“Art. 2º. Fica vedado também ao
cirurgião-dentista a realização de publicidade e propaganda de procedimentos
não odontológicos e alheios à formação superior em Odontologia, a exemplo de:
a) Micro pigmentação de
sobrancelhas e lábios;
b) Maquiagem definitiva;
c) Design de sobrancelhas;
d) Remoção de tatuagens faciais e
de pescoço;
e) Rejuvenescimento de colo e
mãos;
e) Tratamento de calvície e
outras aplicações capilares.
Essa vedação está coerente com o
Código de Ética Odontológica aprovado pela Resolução CFO 118/2012:
“Art. 44. Constitui infração
ética:
II - anunciar ou divulgar
títulos, qualificações, especialidades que não possua, sem registro no Conselho
Federal, ou que não sejam por ele reconhecidas;
DISPOSITIVO
Defiro a tutela provisória
recursal, em parte, somente para suspender os efeitos da vedação prevista no
art. 1º da Resolução CFO 230/2020 relativamente aos agravantes/autores, devendo
o processo prosseguir como for de direito.
Comunicar ao juízo de origem para
cumprir esta decisão (19ª vara da SJ/MG), intimar as partes, podendo os
agravados responder em 30 dias (CPC, art. 183 e 1.019/II).
Brasília, 07.01.2022
NOVÉLY VILANOVA DA SILVA REIS
Juiz do TRF-1 Relator