RESOLUÇÃO CFM Nº 2.320/2022
ANEXO
NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO
DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA
I – PRINCÍPIOS GERAIS
1. As técnicas de reprodução
assistida (RA) têm o papel de auxiliar no processo de procriação.
2. As técnicas de reprodução
assistida podem ser utilizadas para doação de gametas e para preservação de gametas,
embriões e tecidos germinativos por razões médicas e não médicas.
3. As técnicas de reprodução
assistida podem ser utilizadas, desde que exista possibilidade de sucesso e baixa
probabilidade de risco grave à saúde do(a) paciente ou do possível descendente.
3.1. A idade máxima das
candidatas à gestação por técnicas de reprodução assistida é de 50 anos.
3.2. As exceções a esse limite são
aceitas com base em critérios técnicos e científicos, fundamentados pelo médico
responsável, sobre a ausência de comorbidades não relacionadas à infertilidade da
mulher e após esclarecimento ao(s) candidato(s) sobre os riscos envolvidos para
a paciente e para os descendentes eventualmente gerados a partir da
intervenção, respeitando a autonomia da paciente e do médico.
4. O consentimento livre e
esclarecido é obrigatório para todos os pacientes submetidos às técnicas de reprodução
assistida. Os aspectos médicos envolvendo a totalidade das circunstâncias da
aplicação de uma técnica de RA devem ser detalhadamente expostos, bem como os resultados
obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações
devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico e ético. O documento
de consentimento livre e esclarecido deve ser elaborado em formulário
específico e estará completo com a concordância, por escrito, obtida a partir de
discussão entre as partes envolvidas nas técnicas de reprodução assistida.
5. As técnicas de reprodução
assistida não podem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo (presença
ou ausência de cromossomo Y) ou qualquer outra característica biológica da
criança, exceto para evitar doenças no possível descendente.
6. É proibida a fecundação de oócitos humanos com qualquer outra finalidade que não a procriação humana.
7. Quanto ao número de embriões a serem transferidos, determina-se, de acordo com a idade:
a) mulheres com até 37 (trinta e sete) anos: até 2 (dois) embriões;
b) mulheres com mais de 37 (trinta e sete) anos: até 3 (três) embriões;
c) em caso de embriões euploides ao diagnóstico genético, até 2 (dois) embriões, independentemente da idade; e
d) nas situações de doação de oócitos, considera-se a idade da doadora no
momento de sua coleta.
8. Em caso de gravidez múltipla,
decorrente do uso de técnicas de reprodução assistida, é proibida a utilização
de procedimentos que visem a redução embrionária.
II – PACIENTES DAS TÉCNICAS DE
REPRODUÇÃO ASSISTIDA
1. Todas as pessoas capazes que
tenham solicitado o procedimento e cuja indicação não se afaste dos limites desta
resolução podem ser receptoras das técnicas de reprodução assistida, desde que
os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos, conforme
legislação vigente.
2. É permitida a gestação compartilhada
em união homoafetiva feminina. Considera-se gestação compartilhada a situação em
que o embrião obtido a partir da fecundação do(s) oócito(s) de uma mulher é
transferido para o útero de sua parceira.
III – REFERENTE ÀS CLÍNICAS,
CENTROS OU SERVIÇOS QUE APLICAM TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA
As clínicas, centros ou serviços que
aplicam técnicas de reprodução assistida são responsáveis pelo controle de
doenças infectocontagiosas, pela coleta, pelo manuseio, pela conservação, pela distribuição,
pela transferência e pelo descarte de material biológico humano dos pacientes
submetidos às técnicas de reprodução assistida. Devem apresentar como
requisitos mínimos:
1. Diretor técnico médico registrado
no Conselho Regional de Medicina (CRM) de sua jurisdição com registro de
especialista em áreas de interface com a reprodução assistida, que será
responsável por todos os procedimentos médicos e laboratoriais executados;
2. Registro permanente das gestações
e seus desfechos (dos abortamentos, dos nascimentos e das malformações de fetos
ou recém-nascidos), provenientes das diferentes técnicas de reprodução assistida
aplicadas na unidade em apreço, bem como dos procedimentos laboratoriais na
manipulação de gametas e embriões; e
3. Registro permanente dos exames
laboratoriais a que são submetidos os pacientes, com a finalidade precípua de
evitar a transmissão de doenças.
4. Os registros devem estar disponíveis
para fiscalização dos Conselhos Regionais de Medicina.
IV – DOAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES
1. A doação não pode ter caráter
lucrativo ou comercial.
2. Os doadores não devem conhecer
a identidade dos receptores e vice-versa, exceto na doação de gametas ou embriões
para parentesco de até 4º (quarto) grau, de um dos receptores (primeiro grau: pais
e filhos; segundo grau: avós e irmãos; terceiro grau: tios e sobrinhos; quarto
grau: primos), desde que não incorra em consanguinidade.
2.1. Deve constar em prontuário o
relatório médico atestando a adequação da saúde física e mental de todos os
envolvidos.
2.2. A doadora de óvulos ou
embriões não pode ser a cedente temporária do útero.
3. A doação de gametas pode ser
realizada a partir da maioridade civil, sendo a idade limite de 37 (trinta e
sete) anos para a mulher e de 45 (quarenta e cinco) anos para o homem.
3.1. Exceções ao limite da idade
feminina podem ser aceitas nos casos de doação de oócitos previamente congelados,
embriões previamente congelados e doação familiar conforme descrito no item 2, desde
que a receptora/receptores seja(m) devidamente esclarecida(os) sobre os riscos
que envolvem a prole.
4. Deve ser mantido,
obrigatoriamente, sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões,
bem como dos receptores, com a ressalva do item 2 do Capítulo IV. Em situações
especiais, informações sobre os doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas
exclusivamente aos médicos, resguardando a identidade civil do(a) doador(a).
5. As clínicas, centros ou serviços
onde são feitas as doações devem manter, de forma permanente, um registro com
dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas, de acordo com a
legislação vigente.
6. Na região de localização da unidade,
o registro dos nascimentos evitará que um(a) doador(a) tenha produzido mais de
2 (dois) nascimentos de crianças de sexos diferentes em uma área de 1 (um) milhão
de habitantes. Exceto quando uma mesma família receptora escolher um(a) mesmo(a)
doador(a), que pode, então, contribuir com quantas gestações forem desejadas.
7. Não é permitido aos médicos,
funcionários e demais integrantes da equipe multidisciplinar das clínicas,
unidades ou serviços serem doadores nos programas de reprodução assistida.
8. É permitida a doação voluntária
de gametas, bem como a situação identificada como doação compartilhada de oócitos
em reprodução assistida, em que doadora e receptora compartilham tanto do material
biológico quanto dos custos financeiros que envolvem o procedimento.
9. A escolha das doadoras de oócitos,
nos casos de doação compartilhada, é de responsabilidade do médico assistente. Dentro
do possível, o médico assistente deve selecionar a doadora que tenha a maior
semelhança fenotípica com a receptora, que deve dar sua anuência à escolha.
10. A responsabilidade pela seleção
dos doadores é exclusiva dos usuários quando da utilização de banco de gametas
ou embriões.
11. Na eventualidade de embriões
formados por gametas de pacientes ou doadores distintos, a transferência
embrionária deverá ser realizada com embriões de uma única origem para a
segurança da prole e rastreabilidade.
V – CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS OU
EMBRIÕES
1. As clínicas, centros ou
serviços podem criopreservar espermatozoides, oócitos, embriões e tecidos
gonadais.
2. O número total de embriões
gerados em laboratório será comunicado aos pacientes para que decidam quantos embriões
serão transferidos a fresco, conforme determina esta Resolução. Os excedentes
viáveis devem ser criopreservados.
3. Antes da geração dos embriões,
os pacientes devem manifestar sua vontade, por escrito, quanto ao destino dos embriões
criopreservados em caso de divórcio, dissolução de união estável ou falecimento
de um deles ou de ambos, e se desejam doá-los.
VI – DIAGNÓSTICO GENÉTICO
PRÉ-IMPLANTACIONAL DE EMBRIÕES
1. As técnicas de reprodução assistida
podem ser aplicadas à seleção de embriões submetidos a diagnóstico de
alterações genéticas causadoras de doenças, podendo nesses casos ser doados para
pesquisa ou descartados, conforme a decisão do(s) paciente(s), devidamente
documentada com consentimento informado livre e esclarecido.
2. As técnicas de reprodução assistida
também podem ser utilizadas para tipagem do Antígeno Leucocitário Humano (HLA) do
embrião, no intuito de selecionar embriões HLA-compatíveis com algum irmão já afetado
pela doença e cujo tratamento efetivo seja o transplante de células-tronco, de
acordo com a legislação vigente.
3. O tempo máximo de
desenvolvimento de embriões in vitro é de até 14 (quatorze) dias.
VII – SOBRE A GESTAÇÃO DE
SUBSTITUIÇÃO (CESSÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO)
As clínicas, centros ou serviços
de reprodução podem usar técnicas de reprodução assistida para criar a situação
identificada como gestação de substituição, desde que exista uma condição que
impeça ou contraindique a gestação.
1. A cedente temporária do útero
deve:
a) ter ao menos um filho vivo;
b) pertencer à família de um dos
parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau (primeiro grau: pais e filhos;
segundo grau: avós e irmãos; terceiro grau: tios e sobrinhos; quarto grau:
primos);
c) na impossibilidade de atender
o item b, deverá ser solicitada autorização do Conselho Regional de Medicina
(CRM).
2. A cessão temporária do útero não
pode ter caráter lucrativo ou comercial e a clínica de reprodução não pode
intermediar a escolha da cedente.
3. Nas clínicas de reprodução assistida,
os seguintes documentos e observações devem constar no prontuário da paciente:
a) termo de consentimento livre e
esclarecido assinado pelos pacientes e pela cedente temporária do útero, contemplando
aspectos biopsicossociais e riscos envolvidos no ciclo gravídico-puerperal, bem
como aspectos legais da filiação;
b) relatório médico atestando a
adequação da saúde física e mental de todos os envolvidos;
c) termo de Compromisso entre
o(s) paciente(s) e a cedente temporária do útero que receberá o embrião em seu
útero, estabelecendo claramente a questão da filiação da criança;
d) compromisso, por parte do(s) paciente(s)
contratante(s) de serviços de reprodução assistida, públicos ou privados, com tratamento
e acompanhamento médico, inclusive por equipes multidisciplinares, se
necessário, à mulher que ceder temporariamente o útero, até o puerpério;
e) compromisso do registro civil
da criança pelos pacientes, devendo essa documentação ser providenciada durante
a gravidez; e
f) aprovação do(a) cônjuge ou companheiro(a),
apresentada por escrito, se a cedente temporária do útero for casada ou viver
em união estável.
VIII – REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST
MORTEM
É permitida a reprodução
assistida post mortem, desde que haja autorização específica para o uso do
material biológico criopreservado em vida, de acordo com a legislação vigente.
IX – DISPOSIÇÃO FINAL
Casos de exceção não previstos nesta
resolução dependerão da autorização do Conselho Regional de Medicina da
jurisdição e, em grau recursal, do Conselho Federal de Medicina.
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA RESOLUÇÃO
CFM nº 2.320/2022
No Brasil, até a presente data, não
há legislação específica que regule a reprodução assistida (RA). Tramitam no Congresso
Nacional, há anos, diversos projetos sobre o assunto, mas nenhum deles chegou a
termo.
O Conselho Federal de Medicina (CFM)
age sempre em defesa do aperfeiçoamento das práticas e da obediência aos
princípios éticos e bioéticos, que ajudam a conferir maior segurança e eficácia
a tratamentos e procedimentos médicos.
Às famílias monoparentais e aos casais
unidos ou não pelo matrimônio, fica garantida a igualdade de direitos para dispor
das técnicas de reprodução assistida com o papel de auxiliar no processo de
procriação.
As técnicas de reprodução
assistida podem ser utilizadas desde que exista possibilidade de sucesso e baixa
probabilidade de risco grave para ao paciente ou seu possível descendente,
permanecendo a idade máxima de 50 anos para as candidatas. As exceções devem se
basear em critérios técnicos e científicos fundamentados pelo médico
responsável, respeitando a autonomia da paciente e do médico.
Os avanços tecnológicos e a melhoria
das taxas de gravidez possibilitaram a redução no número de embriões
transferidos, com mitigação do risco de gestação múltipla.
Levando em consideração o número
significativo de decisões judiciais a favor da doação de gametas entre irmãs, a
Resolução mantém a determinação de anonimato entre doador e receptor, exceto em
doação de gametas ou embriões para parentesco de até quarto grau de um dos
parceiros, desde que não incorra em consanguinidade.
Na utilização de bancos, a
seleção de gametas ou embriões é de responsabilidade do usuário, em respeito à
autonomia para formação da sua família.
Em união homoafetiva masculina,
com útero de substituição, há a necessidade de fecundação dos oócitos com
espermatozoides de um parceiro isoladamente. Ainda que sejam fertilizados
grupos de oócitos separadamente, com espermatozoides de ambos os parceiros, o
médico deve conhecer o material genético masculino que deu origem ao embrião
implantado –sendo vedada a mistura dos espermatozoides de ambos os parceiros,
dificultando o conhecimento da origem genética. O mesmo se aplica a uniões
homoafetivas femininas em que ocorre fertilização de oócitos de origens
diferentes, ainda que com o sêmen do mesmo doador.
Os aspectos médicos envolvendo a
totalidade das circunstâncias da aplicação da reprodução assistida foram detalhadamente
expostos nesta revisão, realizada pela Câmara Técnica de Reprodução Assistida do
CFM, em conjunto com representantes da Associação Brasileira de Reprodução
Assistida (SBRA), da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e
Obstetrícia (FEBRASGO) e da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH).
Esta é a visão da comissão
formada, que trazemos à consideração do plenário do CFM.
Brasília, DF, 1º de setembro de
2022.
RICARDO SCANDIAN DE MELO
Relator