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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Responsabilidade civil odontológica e o dever de informação

PORTUGAL

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA intentou ação declarativa comum contra BB pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 58.500,00, a título de indemnização por todos os danos que lhe foram provocados com a atuação ilícita por ato e/ou omissão do réu, devidamente atualizada à data da prolação da sentença, e/ou acrescida dos juros moratórios vincendos desde a data da citação, à taxa legal (sendo que, no decurso dos autos, requereu a redução do pedido para a quantia de € 35.000,00 - o que foi admitido por despacho de 22/03/2018).

Alegou, para tanto e em síntese, que procurou os serviços do réu, ..., com o propósito de melhorar a sua aparência dental, o qual lhe garantiu que o tratamento seria simples e eficaz, capaz de garantir o resultado final pretendido e que não comportava qualquer tipo de risco.
Mais alegou que, por causa do tratamento, começou a sentir alterações ao nível da sua estrutura bucal, que apresentou ao réu várias queixas e que, como não sentia melhoras, consultou diversos especialistas. E alegou que passou a sofrer de problemas funcionais, esqueléticos, desvios mandibulares, reabsorção radicular, alteração de mordida, oclusão traumática e dificuldades na mastigação e que sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais causados pela conduta do réu, que não fez uso de todos os conhecimentos técnico-científicos e todos os meios à sua disposição para assegurar à autora os melhores cuidados e repor a sua saúde oral, violando, também, as regras deontológicas da Odontologia, tendo incorrido em responsabilidade tanto de âmbito contratual, como extracontratual.

O réu contestou e deduziu incidente de intervenção principal provocada de CC SA (atualmente denominada DD SA) – intervenção essa que foi admitida.
Em síntese, alegou que prestou os serviços referidos pela autora, mas negou todos os erros que lhe foram imputados, os danos e qualquer nexo de causalidade.
E alegou ter celebrado com a Interveniente um contrato de seguro de responsabilidade profissional.

A Interveniente também contestou, invocando a prescrição do direito e a previsão de franquia no contrato de seguro, e no mais, fazendo sua a contestação apresentada pelo réu, impugnando a matéria factual invocada pela autora.

Prosseguindo os autos e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença:
Condenando-se o réu e a interveniente solidariamente a pagar à autora a quantia de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais e a quantia de €22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros) a título de dano patrimonial futuro, ambas acrescidas de juros de mora à taxa de 4% a contar da data da sentença e até efetivo e integral pagamento, sendo o valor respeitante à interveniente deduzido da franquia estipulada no contrato de seguro.

Na sequência e no âmbito de apelação do réu, a Relação de Guimarães confirmou a sentença recorrida.

Uma vez mais inconformado, interpôs o autor/apelante o presente recurso de revista excecional (admitido pela Formação a que alude o nº 3 do art. 672º do CPC), no qual formulou as seguintes conclusões:

1ª - Foi o Recorrente notificado do Acórdão que negou provimento ao recurso, concluindo que o Recorrente é responsável pelos danos sofridos pela A. na sequência do tratamento ortodôntico efetuado, apesar de ter resultado provado que “90. O Réu [Recorrente] empregou todos os conhecimentos técnico-científicos e os meios necessários ao tratamento realizado pela Autora”, simplesmente pelo facto de ter considerado a conduta do Recorrente ilícita por alegadamente não ter cumprido o dever de informação necessário para se alcançar o consentimento livre e esclarecido.
2ª - Ora, tal Acórdão está em frontal contradição com a posição defendida no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, já transitado em julgado, proferido no processo n.º 284/099TVLSB.Ll-2, datado de 03-12-2015.
3ª - Refere o sumário do citado aresto que “II. Não se provando a existência de erro na realização da cirurgia nem de nexo de causalidade entre a cirurgia e os males de que o credor se queixa e pelos quais pretende ser ressarcido, perde relevo a questão da prestação de consentimento informado para a realização da cirurgia.”
4ª - Regressando ao Acórdão em crise nos presentes autos, verifica-se que o mesmo adota uma posição contrária, ao valorizar o consentimento informado em detrimento da prova já assente de que o Recorrente empregou todos os conhecimentos técnico-científicos e os meios necessários ao tratamento realizado pela Autora,
5ª - Concluindo que “Nem só a má prática médica ou o erro técnico é fundamento de responsabilidade médica, também o é a violação dos direitos dos pacientes, realçando-se, entre estes (mas existem muitos outros), a sua autonomia e autodeterminação, por desrespeito do dever de informar, que impede que o paciente usufrua da sua 1iberdade.”
6ª - Ora, seguindo a posição do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03-12-2015, resultando provado que o Recorrente empregou todos os conhecimentos técnico-científicos e os meios necessários ao tratamento realizado pela Autora, perderia relevo a questão da prestação de consentimento informado e o Recorrente seria absolvido, tal como foi o médico naquele processo.
7ª - Também o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-02-2011, processo n.º 10527/07.8TBMAI.P1, conclui que não resultando provada a ilicitude dos atos do R., deveria este ter sido absolvido.
8ª - Este aresto esclarece que “Afastada a ilicitude desta intervenção, e sem deixar de se reconhecer, na medida dos factos apurados, os prejuízos sofridos, também é seguro que os mesmos, presente o enquadramento factual apurado, são compatíveis e adequados ao ato médico licitamente efetuado, com observância das regras técnicas e da arte que dele são indissociáveis. Em conclusão, afastada a ilicitude da intervenção e não se verificando todos os pressupostos integradores da obrigação de indemnizar, que se impõem cumulativos, não pode ser tutelada a pretensão da recorrente.”
9ª - Está assim patente a existência de contradição entre Acórdãos no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de Direito: a extensão/importância do conceito de consentimento informado nas situações em que não existe ilicitude na intervenção do médico.
10ª - Face a tudo o exposto, deveria o Recorrente ter sido absolvido, o que ora se requer através da substituição do acórdão recorrido por outro que declare que “Estando excluída a demonstração de comportamento médico ilícito, danoso e culposo por parte do R., fica prejudicada a questão da formação de um consentimento informado da realização do comportamento.” e, em consequência, absolva o R. do pedido formulado.
Nestes termos, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., Exmos. Conselheiros, deverá ser recebido e considerado procedente o presente recurso de revista excecional e, em consequência, ser revogado o acórdão ora recorrido, substituindo-se aquele por outro que absolva o réu/recorrente do pedido. Decidindo nesta conformidade, será feita a costumada justiça!

Nas suas contra-alegações, a autora pugnou pela não admissão da revista excecional (que, conforme supra referido, veio a ser admitida pela Formação).

Colhidos os vistos, cumpre decidir:

Em face do conteúdo das conclusões recursórias, a única questão de que cumpre conhecer consiste em saber se, não se provando a existência de erro técnico na realização do ato médico, a responsabilidade civil se pode basear na violação do dever de informação do paciente.

É a seguinte a factualidade dada como provada e como não provada pelas instâncias (com as alterações efetuadas pelas Relação).

Factos provados:
1. A Autora nasceu no dia ....
2. E vem desempenhando a sua atividade profissional como professora do ensino básico e secundário desde o ano de 1997.
3. A Autora gozou, desde sempre, de boa saúde oral e dentária, não padecendo de problemas funcionais ao nível bucal que a tivessem feito carecer de alguma intervenção ortodôntica.
4. Sempre teve uma oclusão anatómica e funcional normal, não sentia desconforto ou dor nos movimentos mandibulares, por ausência de distúrbios articulares e nem sentia dificuldades na função mastigatória e fonética.
5. Porém, a estética do seu sorriso estava prejudicada por um dente incisivo lateral superior esquerdo com forma coronária característica dum dente conóide, i.e. com alteração de forma e tamanho (em cone).
6. O Réu é licenciado em ..., ...pela UP e especialista em ortodontia pela Ordem dos Médicos ... e à data dos factos, prestava serviços na clínica do Dr. ..., então sita na Rua ..., nº … – …º andar, em ....
7. A Autora procurou os serviços do Réu com o propósito de melhorar a sua aparência dental, com correção do problema estético referido em 5), com o objetivo último na obtenção de um sorriso mais bonito, ou mais agradável a si e aos outros.
8. Na consulta, para orçamentação do serviço, o Réu informou a Autora que era ... e ..., confiando a Autora na competência técnica e experiência profissional do Réu.
9. O plano de tratamento sugerido pelo Réu passava pela extração do dente incisivo lateral superior (...) conóide, e fechamento do espaço, através da utilização de aparelhos ortodônticos fixos, superior e inferior, e de contenção, sem necessidade de qualquer tratamento ortodôntico-cirúrgico e/ou ortognático.
10. A duração prevista pelo Réu para o tratamento em causa era de … consultas, tendo estas uma periodicidade variável, por vezes mensal.
11. À data o Réu informou a Autora que o tratamento seria simples e capaz de permitir alcançar o resultado pretendido pela Autora, tendo feito a apresentação do diagnóstico e proposta de tratamento durante cerca de 45 minutos, explicando os aspetos relacionados com o tratamento e tendo dado à Autora a possibilidade de colocar todas as questões que pretendeu e que na altura queria ver esclarecidas.
12. Face às informações prestadas pelo Réu a Autora acedeu em iniciar o tratamento que lhe foi proposto pelo mesmo, contra o pagamento do respetivo preço logo então combinado.
13. Em Junho de 2004 a Autora iniciou o tratamento dentário com o Réu, tendo procedido à colocação do aparelho ortodôntico fixo superior e tendo sido realizada a exodontia – extração cirúrgica - do dente conóide da Autora em 09/06/2005.
14. Em 09/12/2005 foi ainda efetuada a exodontia do terceiro molar inferior direito (dente 48).
15. Durante o tratamento ortodôntico, a Autora foi acompanhada pelo Réu em consultas de periodicidade variável, por vezes mensal.
16. As consultas começavam a protelar-se no tempo e foram para além das previstas 18 meses inicialmente expectáveis.
17. A Autora questionou, por diversas vezes, o Réu quanto ao motivo da demora do tratamento porque pretendia saber se algo estava a correr mal e/ou se teria ocorrido qualquer imprevisto e o Réu tranquilizou sempre a Autora, dizendo que tudo estava a correr bem com o tratamento.
18. A Autora acreditava na competência do Réu e aceitava as suas explicações, de modo a não vir a contrariar e/ou de alguma forma prejudicar o respetivo trabalho.
19. Em Junho de 2008 a Autora retirou o aparelho ortodôntico superior, quando era portadora de contenção fixa inferior, pois já lhe havia sido retirado o aparelho fixo inferior tempo antes.
20. Pouco tempo depois de ter retirado o aparelho ortodôntico, surgiu à Autora um diastema (lacuna ou espaço entre dois dentes), no mesmo sítio onde, antes, existia o dente conóide.
21. Esse diastema desfavorecia na mesma o sorriso da Autora, tal como antes sucedia com o dente conóide.
22. Tal circunstância provocou na Autora insatisfação quanto aos resultados obtidos.
23. Tal insatisfação foi manifestada ao aqui Réu que tendo em vista corrigir o diastema, no Verão de 2008, procedeu à recolocação de um novo aparelho ortodôntico fixo apenas na arcada dentária superior.
24. A Autora permaneceu com esse aparelho ortodôntico durante cerca de um ano.
25. Após a colocação deste aparelho ortodôntico superior, a Autora passou a ver o seu sono interrompido a meio da noite, acordando com a sensação de que a arcada dentária superior se estava a mover, começando a sentir problemas de maloclusão, tendo a sensação que os dentes superiores não fechavam sobre os inferiores, como antes sucedia e estava mais habituada a sentir.
26. A Autora passou a queixar-se de dores em ambas as articulações têmporo-mandibulares e, concomitantemente, começou também a sentir instabilidade nos movimentos da mandíbula e na determinação da posição de repouso entre as duas arcadas dentárias, o que nunca lhe havia antes acontecido.
27. Nas consultas a Autora relatou ao Réu os sintomas supra descritos, tendo o mesmo descansado a Autora dizendo que, a final, tudo iria ficar bem e pedindo à Autora que não se preocupasse pois o arame do aparelho que tinha na boca não era tão forte o bastante para provocar o movimento dos dentes (que a Autora relatava) e que se destinava apenas a fechar o diastema.
28. Em Janeiro de 2009 o Réu colocou na boca da Autora uma barra transpalatina.
29. Em todas as consultas posteriores a essa, o Réu puxava pela mandíbula, como se diz na gíria cínica, visando colocá-la como que protusa.
30. A Autora continuava a confiar no trabalho do Réu.
31. Durante este período de tratamento, o Réu voltou a colocar braquetes e fez vários desgastes nos dentes da Autora para conseguir contactos.
32. O Réu deu por terminado o tratamento em Junho de 2009, colocando uma pequena contenção fixa entre o incisivo central superior e o canino.
33. Logo após tal tratamento ortodôntico, a Autora apresentou ao Réu várias queixas, designadamente que: permanecia com a sensação de que não tinha uma oclusão correta (apresentava quatro formas de fechar a boca); sentia dores nas articulações temporo-mandibulares, instabilidade nos movimentos da mandíbula e na determinação da posição de repouso, entre as duas arcadas dentárias; os músculos da cara, próximos do nariz e lábio superior “tremiam”, repuxando a pela da face e causando algum desconforto pois ao falar sentia preso o lábio superior; as gengivas apresentavam-se inflamadas e doloridas, com uma cor muito vermelha, e ainda lustrosas; passou a sofrer de halitose.
34. No período compreendido entre Julho de 2009 e Fevereiro de 2010, a Autora insistiu junto do Réu pelos sintomas de má oclusão dentária, incómodo nos músculos da face, inflamação gengival e mau hálito.
35. Aos quais passaram então a acrescer dores de cabeça e nos olhos.
36. Neste período, a Autora insistiu com o Réu para que este lhe desse uma resposta quanto às necessidades de tratamento respetivas.
37. A preocupação da Autora incidia principalmente sobre as suas gengivas, as quais apresentavam, junto aos dentes incisivos centrais e aos caninos, agora transformados em incisivos laterais, uma margem ou rebordo mais avermelhados que lhe causavam incómodo.
38. Em 08 de Abril de 2010, a Autora, não sentido melhoras nesse seu quadro clínico, consultou, a recomendação do Réu, o Professor Dr. EE, especialista reputado em periodontologia.
39. Este especialista, após realização de exame intrabucal e radiográfico, concluiu que a cor das gengivas e a presença de halitose se deveria ao facto de ela ser uma “respiradora bucal”.
40. Na sequência dessa consulta a Autora realizou sessões com um terapeuta da fala para orientação da respiração e fonética, essenciais à sua profissão de professora.
41. Esse tratamento, porém, não deu qualquer resposta aos sintomas de inflamação gengival e halitose da Autora pois as gengivas apresentavam-se sempre cada vez mais vermelhas, inchadas e doloridas, principalmente durante a mastigação e refeições.
42. A Autora passou então a notar que, na margem, das gengivas e junto a todos os dentes da arcada superior existia, agora, um rebordo que lhe causava algum ardor e que as suas gengivas começavam a retrair.
43. Nesse período a Autora comunicou ainda ao Réu que sentia durante a noite uma mordida muito incómoda.
44. Os seus dentes não tinham posição de equilíbrio e a mandíbula deslizava (ora para a esquerda, ora para a direita e para a frente) o que a obrigava a apertar os dentes com força para evitar essa movimentação, pois com facilidade os dentes anteriores inferiores batiam nos dentes anteriores da arcada superior.
45. Em Maio de 2010, a Autora voltou a procurar o aqui Réu e reafirmou todos os sintomas que já existiam, ou sejam: mordida incómoda na boca, desvios mandibulares (dentes anteriores inferiores batendo nos dentes anteriores superiores quando dormia e/ou falava), halitose, dores nos músculos da face.
46. E deu conhecimento de outros, mais recentes: posição incómoda da língua que dava a sensação de não caber dentro da sua boca, fonética alterada, dando a sensação de fala imprecisa, dificuldade em controlar a saliva que sem-querer disparava boca fora para todos os lados, dores fortes de cabeça, dores no pescoço, ombros e costas, dores de ouvido, e dor no fundo dos olhos.
47. Para além da dita alteração de cor, as gengivas sangravam durante a higiene com o fio dental e os dentes como que “abanavam”.
48. Em 27 de Setembro de 2010, e por indicação do Réu, a Autora teve consulta com a Dr.ª FF.
49. A Autora foi então informada pela Dr.ª FF que o novo tratamento consistiria em fazer uma goteira para reposicionar a mandíbula, de modo a que posteriormente pudesse reavaliar a situação.
50. Em Outubro de 2010, e a somar às queixas anteriores, foram relatadas à médica supra referida dores no joelho direito e anca.
51. A Autora mancava da perna direita e sentia dificuldade em movê-la numa situação de repouso, dando-lhe a sensação de que ficava presa.
52. Desde Setembro de 2010 até Janeiro de 2011 a Autora foi acompanhada pela Dr.ª FF em consultas no Porto para reposicionar a mandíbula, tendo sido necessário recorrer à prescrição de analgésicos, relaxantes musculares e anti-inflamatórios.
53. O tratamento incluiu goteira oclusal, que a Autora usou nesse período, de dia e de noite, e ainda posteriormente.
54. A Autora deixou as consultas com a Dr.ª FF e procurou uma segunda opinião médica quanto ao tratamento que deveria realizar.
55. Entre Fevereiro e Março de 2011, a Autora consultou vários especialistas para a elaboração de uma decisão terapêutica, a saber: Dr. GG, Dr. HH e Dr. II.
56. Nenhum destes médicos especialistas, segundo a Autora, lhe apresentaram verdadeiro diagnóstico ou solução para as queixas que apresentava, não concordando a Autora com tratamentos que lhe foram indicados.
57. A Autora procurou então um especialista em Espanha, o Dr. JJ.
58. Este ..., em consulta de … de … de 20…, apresentou à Autora um diagnóstico de reabsorção radicular 1+1, em relação cêntrica aumenta classe II, desvio mandibular, linha média superior ligeiramente desviada e sobre expansão da arcada superior.
59. O mesmo especialista propôs o tratamento ortognático, com uma etapa inicial de reabilitação oclusal e colocação de uma goteira para recuperação da relação cêntrica.
60. A Autora iniciou então o tratamento com este profissional, designadamente pela utilização da goteira que utilizou até Setembro de 2011, que não concluiu por força das distâncias que precisava percorrer em cada consulta e pelo custo que implicava.
61. As dores na face, ombros e pescoço, bem como a halitose, gengivas vermelhas ou sanguinolentas e recessão gengival persistiam.
62. No período de … de … a … de … de 20… teve a Autora de se submeter a sessões diversas de fisioterapia para alívio das dores nas costas, pescoço e ombros, bem como na anca e teve de recorrer, então, a medicação específica, quer nesse período, quer nos meses subsequentes.
63. Em … de 20… foi vista por uma equipa de médicos do Hospital de ..., no Porto, composta (entre outros) por Dr. KK, Dr. LL e Dr. MM.
64. O Dr. KK colocou compósitos nos dentes dando indicações à Autora para deixar temporariamente de usar goteira.
65. A Autora foi a 3 consultas com o Dr. KK entre … e … de 20….
66. A Autora sentia-se mal com o aspeto que a face apresentava.
67. A Autora apresentava ainda dores nos músculos da face, dor de ouvido e em seu redor, dores na articulação têmporo-mandibular, fortes dores de cabeça e ocular, uma dor nevrálgica forte no ouvido direito tendo consultado o Professor Dr. NN, especialista em oclusão, que solicitou uma Ressonância Magnética às ATM, realizada aos 03 de Julho de 2012.
68. Este médico especialista sugeriu à Autora que fizesse uma nova goteira.
69. Em virtude dos custos desta, e para os não repetir, a Autora voltou a usar a goteira que lhe tinha sido feita em Espanha no ano anterior.
70. Nesse Verão/12 a Autora teve novos espasmos musculares na face durante as noites, bem como dificuldade e dor ao mastigar.
71. E apareceram-lhe, pela primeira vez, uns ruídos ou “estalidos” no ouvido durante a mastigação.
72. Atualmente, a Autora usa ainda a goteira de noite para dormir, e também durante o dia, quando sente os músculos da face e do pescoço mais exaustos.
73. Continua a sofrer de dores de cabeça, uma dor ocular, dores no pescoço, ombros e costas, e nas articulações têmporo-mandibulares.
74. Na sequência do tratamento realizado pelo Réu a Autora ficou a padecer de dificuldades mastigatórias, diminuição de continência oral, alterações faciais designadamente a nível do lábio superior bem como com a reabsorção radicular nos dentes 11 e 21.
75. A Autora ficou a padecer em consequência do tratamento de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de em 5 pontos o que, sendo compatível com o exercício da atividade habitual, implica esforços suplementares.
76. A Autora ficou a padecer de um Dano Estético Permanente de grau 1/7.
77. O Quantum doloris é fixável em 4/7.
78. Nos anos de 2010-11, a respiração da Autora foi predominantemente bucal pois não conseguia ter um selamento labial passivo.
79. Quando falava tinha a sensação como que de “sugar” o ar, tendo padecido, nesse período, de frequentes laringites.
80. De noite, passou a ressonar e a respirar mal, a dormir de boca aberta, acordando não raras vezes com a sensação de tonturas e falta de ar, coisas que nunca haviam sucedido antes.
81. Passou a dormir pouco, com sono leve, manifestando sonolência e cansaço durante o dia, o que antes não sucedia.
82. Passou a sofrer de problemas posturais, uma vez que, durante o dia, tende a flexionar o pescoço para respirar melhor, com tendência para ficar de boca aberta.
83. Viu também alterado o ritmo e amplitude da respiração, que agora se apresenta mais rápida e mais curta, limitando os tempos de pausa necessários a uma fala normal, o que dificulta e limita a sua atividade profissional, gerando-lhe até mais cansaço.
84. Padece agora também de problemas ao nível fonético que condicionam essa atividade profissional de professora, ao comunicar com os seus alunos e os seus colegas na escola secundária.
85. O problema de halitose de que padeceu durante esse período de tempo causou-lhe constrangimentos, comprometeu a sua sociabilização, nomeadamente escolar, bem como as relações interpessoais, e até conjugais, como mulher casada vivendo em comunhão de lar.
86. Tudo isso motivou uma relativa perda da sua auto-estima e da auto-confiança que antes detinha como sua característica pessoal.
87. A Autora sofreu desgosto emocional e perdeu a qualidade de vida que gozava antes do tratamento.
88. A Autora foi uma paciente cumpridora e colaborante com o Réu cumprindo as recomendações e cuidados por este indicados.
89. O referido em 74) pode surgir secundariamente à realização de um tratamento ortodôntico sem que tal configure uma situação de tratamento mal efetuado.
90. O Réu empregou todos os conhecimentos técnico-científicos e os meios necessários ao tratamento realizado pela Autora.
91. A Autora aufere o vencimento mensal líquido de cerca de €1.300,00.
92. O uso da fala é essencial à prática da atividade profissional regular da Autora, na sua função pedagógica de lecionar as aulas.
93. A Autora é casada e tem dois filhos ainda menores, vivendo em economia de lar com esse agregado familiar.
94. Só com as consultas e acompanhamento médico em Espanha, junto do consultório do Dr. JJ, é que a Autora ficou bem ciente dos problemas de que padecia com o diagnóstico que lhe foi apresentado e que a Autora entendeu ter sido confirmado definitivamente em Janeiro de 2012 pela equipa do Hospital de ..., no Porto.
95. A Autora corre o risco, caso ocorra traumatismo na área, de poder vir a perder os dentes incisivos centrais maxilares, sendo necessária, apenas nessa altura, a sua extração e posterior substituição por implantes.
96. O Réu não informou a Autora de que o tratamento comportava o risco da Autora ficar a padecer dos problemas referidos em 74).
97. O Réu mediante contrato de seguro titulado pela apólice ..., transferiu para a CC SA (actualmente denominada DDSA) a responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da profissão, cujo capital de cobertura era de €600.000,00, limitado a €300.000,00 por sinistro, e com uma franquia de 10% do valor dos danos resultantes de lesões materiais, com um mínimo de €125,00.
98. A presente ação foi instaurada no dia 12/06/2014 e a Interveniente foi citada em 08/10/2014.

Factos não provados:
1. Que o Réu explicou à Autora que a colocação do novo aparelho teria uma duração muito curta, de cerca de um mês aproximadamente que seria o estritamente necessário para fechar o diastema.
2. Que numa consulta com o Réu em Janeiro de 2009 a Autora percebeu ou notou alguma estupefação e apreensão por parte dele, assim que a consulta teve o seu início e este passou a examinar a sua boca.
3. Que a Autora estranhava o referido em 29) dos factos provados uma vez que durante todo o tratamento o Réu havia feito exatamente o inverso (elevava a mandíbula e empurrava-a para trás).
4. Que no dia 31 de Agosto de 2010, mais uma vez, a Autora reforçou todas as queixas, relacionando os sintomas com o tratamento ortodôntico efetuado e manifestou a sua preocupação.
5. Que o Réu afirmou que o referido em 47) dos factos provados era normal.
6. Que o Réu referiu ainda que em Portugal não existem muitos especialistas em oclusão e convenceu a Autora a aguardar por Setembro, pois ia ter no seu consultório, no Porto, uma médica especialista nessa matéria.
7. Que durante a consulta em 27/09/2010 a Dr.ª FF chamou o Réu ao consultório, tendo este então ali explicado que mexera num dos dentes superiores e que esse dente tinha arrastado todos os outros.
8. Que após o tratamento com a Dr.ª FF, o Réu apresentou à Autora um novo plano de tratamento de foro próprio, que consistia em fazer novos desgastes nos dentes e que tal circunstância determinou que a Autora procurasse uma segunda opinião médica quanto a esse tratamento.
9. Que a equipa de médicos do Hospital de ... apresentou à Autora como proposta de tratamento incluía uma etapa ortodôntica e outra cirúrgica, decidindo não concretizar o tratamento, uma vez que, tendo a Autora as raízes reabsorvidas, não suportaria a recolocação de novo aparelho.
10. Que na sequência do referido em 64) dos factos provados a Autora deixou a mandíbula vir a deslocar-se para o lado direito.
11. Que durante esse período tinha a sensação de que os músculos da face davam uma espécie de “esticões”, no sentido descendente.
12. Que em Maio de 2012 apresentava desvios da boca em ziguezague, sendo que a mandíbula se deslocava facilmente de um lado para o outro.
13. Que a Autora na sequência do tratamento realizado pelo Réu ficou a padecer de outras sequelas para além das referidas nos factos provados.
14. Que a Autora apresenta um aspeto de envelhecimento facial que não é consentâneo com a sua idade atual, de tal forma que a Autora já não se reconhece ao espelho, e evita o contacto social.
15. Que o Réu devia ter previsto que a colocação do aparelho apenas na arcada dentária superior era suscetível de causar nesta uma sobre-extensão.
16. Que o custo da colocação de implantes por unidade é de €1.500,00 cada.
17. Que é recomendado que a Autora realize cirurgia corretiva e que esta tem um custo de cerca de €25.000,00.
18. Que os dois dentes incisivos centrais, na atualidade, terão de ser substituídos por implantes.
19. Que para realização da cirurgia corretiva a autora tem de submeter-se a ato ortodôntico prévio cujo custo ascende a cerca de €3.500,00.

Apreciando:

Conforme se alcança do acórdão recorrido, a Relação, considerando que a responsabilidade médica se pode fundar na responsabilidade contratual e/ou na responsabilidade extra contratual ou aquiliana (neste caso quando a mesma resulta, citando Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10ª Edição, pag. 519, da “violação de direitos dos direitos absolutos ou da prática de certos atos que, embora lícitos, causaram prejuízo a outrem”), sendo-lhe aplicáveis, ainda que com certas especialidades, os princípios gerais da responsabilidade civil (o ato ilícito, a culpa, o dano e o nexo da causalidade adequada entre o facto e o dano), tomou posição no sentido de, in casu, a responsabilidade civil do réu recorrente, não se verificando os pressupostos da responsabilidade contratual, se poder fundar na violação de outro tipo de ilícito (consubstanciado na violação do dever de informação):
“Apesar de não ser unívoco na jurisprudência e doutrina, entende-se, aliás na esteira do que se tem por dominante, que nesta sede são cumuláveis as regras da responsabilização fundada na violação contratual ou noutro tipo de ilícito, porquanto com o contrato as partes não pretendem renunciar à tutela geral ou furtar-se aos deveres que a lei lhes atribui, mas antes reforçar as suas obrigações e inerentes direitos (cf. Ac RP de 09/11/2012 no processo 2488/03.9TVPRT.P2, Ac RL de 04/19/2005 no processo 10341/2004-7, Ac de 09/11/2007 no processo 1360/2007-7,) mas contra Pinto Monteiro, "Cláusulas Limitativas e de Exclusão da Responsabilidade Civil", in BFD, Sup., vol XXVIII, Coimbra, 1985, pp. 398-400, Figueiredo Dias e Sinde Monteiro, A responsabilidade médica em Portugal, BMJ nº 332, 1984, p. 40, NUNES, Manuel Rosário, Da responsabilidade civil por actos médicos – Alguns Aspectos, Universidade Lusíada, 2001, p. 54-63, VAZ SERRA, Responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual”, BMJ nº 85, pp. 208 ss. e 238-239).
É, pacífico, nestes autos, que foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre o Réu médico e a Autora, assumindo este a obrigação de prestação de serviço, previsto no artigo 1157º do Código Civil, regulado em especial pelas normas que deste se estendem até ao artigo 1184º deste diploma, ao qual, em caso de violação, se aplicam as regras que regulam a responsabilidade contratual.
Enfim, há que recorrer ao regime da responsabilidade aquiliana ou contratual aqui concorrentes, iniciando-se a análise pela que mais favorece o lesado, sabendo-se, à priori, que a responsabilidade contratual, em regra, tutela com maior alcance a parte que sofreu os danos e prejuízos.”

Na linha de tal raciocínio, considerou que a responsabilidade médica se tem estribado essencialmente em dois fatores: a má prática médica ou erro médico e a violação dos direitos dos pacientes, “realçando-se, entre estes (mas existem muitos outros), a sua autonomia e autodeterminação, por desrespeito do dever de informar, que impede que o paciente usufrua da sua liberdade. O paciente só autoriza a intervenção médica efetuada na sua pessoa, de forma plena e consciente, se estiver na posse dos elementos necessários para tomar essa decisão: só então se pode concluir pela verificação do seu consentimento livre e informado.”

E, afastando desde logo a existência de erro médico, considerou estar apenas em causa nos autos aquela segundo vertente da responsabilidade médica, baseada na violação dos direitos do paciente, no âmbito dos deveres de informação necessários para se alcançar o consentimento livre e esclarecido – violação essa que considerou verificada.
Isto porquanto, segundo o acórdão recorrido, o dever de informação “tem importância primordial o dar a conhecer ao doente os riscos do procedimento, pois este não pode escolher, em consciência, submeter-se ou não ao procedimento médico, se não estiver ciente da existência desses riscos.
O tipo, profundidade e as próprias informações que devem ser prestadas diferem em virtude de um conjunto de circunstâncias; existem, além disso, diversos critérios para densificar a informação devida, havendo quem entenda que é de exigir que se explanem os riscos graves, mesmo que raros, outros que apenas apontam para os previsíveis. Este dever, de qualquer forma, é mais intenso nas intervenções não terapêuticas, como a presente, por ter em vista apenas razões estéticas e logo ser maior a margem de liberdade do paciente para recusar o procedimento.
Supra não só se concluiu que o Réu não prestou informação sobre os riscos inerentes ao procedimento estético que ia proceder na boca da Autora, como se concluiu, que mesmo que assim não fosse, o ónus da sua prova cabia ao médico e este não o logrou demonstrar.”

É contra tal entendimento que se manifesta o réu recorrente, nos termos das conclusões recurórias supra transcritas, defendendo (e apenas) que, inexistindo má prática médica conforme ficou demonstrado nos autos, irrelevante se torna a existência de violação do dever de informação, pelo que deve ser absolvido – fazendo referência, para o efeito, a dois acórdãos, da Relação de Lisboa e da Relação do Porto, em que se tomou posição nesse sentido.

Conforme bem se considerou no acórdão recorrido (o que nem sequer é posto em causa na revista) estamos em presença de um contrato de prestação de serviços, que teve por objeto a realização de determinados atos médicos.
E efetivamente, conforme defende o recorrente e foi, de resto, considerado no acórdão recorrido, não se provou (bem pelo contrário) ter havido violação, por parte do réu recorrente. dos seus deveres contratuais relativos à adequada prática dos atos médicos, ou seja não se provou ter havido erro médico ou má prática médica, na medida em que se provou especificamente (nº 90 dos factos provados) que “o réu empregou todos os conhecimentos técnico-científicos e os meios necessários ao tratamento realizado pela autora”.

Assim, a responsabilização do recorrente apenas poderia assentar na violação do dever de informação do paciente, informação essa fundamental ao consentimento livre e esclarecido.

Ora o certo é que a jurisprudência, e em particular a jurisprudência do STJ, na linha do entendimento seguido no acórdão recorrido, tem vindo a tomar posição clara no sentido da dupla sede de responsabilidade médica: baseada no erro médico (contratual) ou na violação do dever de informação ou seja, do consentimento informado – entendimento que sufragamos por inteiro.

Com efeito, em sede de intervenção médica, ainda que seguindo-se todos os procedimentos que à data se julguem adequados à prática do respetivo ato, haverá sempre uma margem de insucesso, de risco, traduzido na ocorrência de efeitos nefastos, como de resto acabou por ocorrer no caso ora em apreço (vide, particularmente, a factualidade constante dos nºs 74 e sgs).
E prova disso é o facto de, conforme é do conhecimento público, e felizmente que assim é, a ciência e técnica médica terem vindo a evoluir constantemente. Ora (e particularmente em situações como a dos autos em que o ato médico visa no essencial uma correção estética) é de todo imprescindível que o paciente disponha de adequada informação, relativamente aos riscos inerentes, em ordem à formação de um consentimento esclarecido e verdadeiramente consciente – sendo certo que, in casu, se provou especificamente (nº 96 dos factos provados) que “o réu não informou a autora de que o tratamento comportava o risco de a autora ficar a padecer dos problemas referidos em 74)”.

No sentido de tal entendimento (ou seja, o entendimento do acórdão recorrido que, conforme referido, sufragamos) vide acórdão do STJ de 02.11.2017 (proc. nº 23592/11.4T2SNT.L1.S1, in www.dgsi.pt) onde bem se considerou:
“Quer a lei portuguesa (cfr., em especial, os arts. 70.º, 81.º e 540.º do CC, bem como o art. 157.º do CP ou o n.º 11 do art. 135.º do Estatuto da Ordem dos Médicos), quer diversos instrumentos internacionais (cfr. o art. 5.º da Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina – Convenção de Oviedo) exigem, como regra e como condição da licitude de uma ingerência médica na integridade física dos pacientes – por exemplo, através de uma cirurgia, como no caso presente – que estes consintam nessa ingerência; e que o consentimento seja prestado na posse das informações relevantes sobre o ato a realizar, tendo em conta as concretas circunstâncias do caso, sob pena de não poder valer como consentimento legitimador da intervenção”.
No mesmo sentido, o acórdão do STJ de 05.06.2018 (proc. nº 1250/13.5TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt):
I – O utente assume a qualidade de consumidor na relação com o prestador de cuidados de saúde, nos termos da Lei n.º 24/96, de 31 de julho que aprovou o regime legal aplicável à defesa do consumidor (Lei do Consumidor).
II - O utente tem o direito a ser informado atempadamente pelo prestador dos cuidados de saúde sobre os serviços e valores a pagar;
III – Se o utente – com conhecimento do prestador de cuidados de saúde - celebrou um determinado contrato de seguro que financia a prática de atos médicos em determinado estabelecimento hospitalar, deve ser esclarecido pelo prestador sobre a possibilidade de vir a ter que suportar algum custo, relativamente aos cuidados de saúde que lhe vierem a ser ministrados.”
Também no mesmo sentido, vide acórdão do STJ de 22.03.2018 (proc. nº 7053/12.7TBVNG.P1.S1, in www.dgsi.pt):
I - Em sede de responsabilidade civil por atos médicos ocorre frequentemente uma situação de concurso de responsabilidade civil contratual e extracontratual, sendo orientação reiterada da jurisprudência do STJ a opção pelo regime da responsabilidade contratual tanto por ser mais conforme ao princípio geral da autonomia privada, como por ser, em regra, mais favorável à tutela efetiva do lesado.

II - Tanto o direito nacional, como instrumentos internacionais, impõem, como condição da licitude de uma ingerência médica na integridade física dos pacientes, que estes consintam nessa ingerência e que esse consentimento seja prestado de forma esclarecida, isto é, estando cientes dos dados relevantes em função das circunstâncias do caso, entre os quais avulta a informação acerca dos riscos próprios de cada intervenção médica.
III - O consentimento do paciente prestado de forma genérica não preenche, só por si, as condições do consentimento devidamente informado, sendo, além disso, necessário, em caso de repetição de intervenções, que tais esclarecimentos sejam atualizados, tendo em conta, designadamente, que os riscos se podem agravar com a passagem do tempo.”
No mesmo sentido, entre outros, vide ainda o acórdão do STJ de 22.05.2003 (revista nº 912/07 – 7ª secção, in Sumários dos Acórdãos do STJ), o acórdão da Relação de Coimbra de 11.11.2014 (proc. nº 308/09.0TBCBR.C1, in www,dgsi,pt) e o acórdão da Relação de Guimarães de 10.01.2019 (proc. nº 3192/14.8TBBRG.G1, in www.dgsi.pt).

Posto, isto, haveremos de concluir no sentido de não assistir razão ao recorrente quando, ao contrário do entendimento sufragado no acórdão recorrido, defende que, tendo empregado todos os conhecimentos técnico-científicos e os meios necessários ao tratamento realizado pela autora, não releva a questão da prestação de consentimento informado.

Assim, atenta a factualidade provada, o que o recorrente poderia questionar era a eventual inexistência de violação do dever de informação – questão esta que não foi suscitada na revista e da qual, como tal, não nos compete conhecer.

Improcedem assim as conclusões recursórias, impondo-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Em síntese:
A responsabilidade civil emergente da realização de ato médico, ainda que se prove a inexistência de erro ou má prática medica, pode radicar-se na violação do dever de informação do paciente relativamente aos riscos e aos danos eventualmente decorrentes da realização do ato médico.

Termos em que se acorda em negar a revista e em conformar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 24 de outubro de 2019

Acácio das Neves (Relator)
Fernando Samões
Maria João Vaz Tomé

Fonte: http://www.dgsi.pt

Fonte: https://www.direitoemdia.pt/search/show/bec50415338b16bb0003042d9676852900ed8b1d4367d823fb064fd661cfc4d7