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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Resultados de Exames Laboratoriais na Internet e o Sigilo Médico

Há aproximadamente uma década, seria inconcebível imaginar que o paciente compareceria a um laboratório e teria acesso ao resultado do exame realizado em um curto espaço de tempo, e sem a necessidade de retornar ao laboratório para retirar o citado resultado.
Atualmente, a disponibilização dos resultados dos exames pela internet configura-se ferramenta indispensável para os laboratórios, sendo que o número de empresas que utilizam esta ferramenta vem crescendo consideravelmente.
Não há dúvidas que este sistema de disponibilização de resultados dos exames pela internet representa um ganho para o próprio paciente, na medida em que reduz o tempo de espera entre a coleta do material e o efetivo acesso ao resultado. Se antes havia a necessidade de se considerar a disponibilidade do paciente para retirar os resultados dos exames diretamente no laboratório, hoje em dia é possível que o próprio médico visualize o resultado e dê seguimento ao acompanhamento necessário em relação àquele paciente.
Contudo, se de um lado a disponibilização do resultado do exame na internet representa uma facilidade e um benefício aos envolvidos, notadamente, paciente, médico e laboratório, por outro lado esta ferramenta apresenta alguns pontos que devem ser observados, a fim de serem evitadas complicações das mais diversas ordens, tais como responsabilidade civil, penal e infração ética.
Nestas breves palavras nos limitaremos à abordagem da complicação relativa à infração ética, sem, contudo, a pretensão de esgotar o assunto.
Reiteradas vezes nos deparamos com questionamentos referentes à possibilidade de fornecimento de senha de acesso dos resultados de exames para terceiros, estranhos à relação médico-paciente, sejam eles funcionários de hospital, representantes de operadoras do plano de saúde ou mesmo parentes dos pacientes.
Inicialmente, impende notar que a questão ora colocada versa sobre possibilidade de quebra do sigilo profissional, na medida em que pessoas estranhas à relação médico-paciente teriam acesso aos resultados dos exames laboratoriais.
O Código de Ética Médica (resolução CFM nº 1.246/1988) estabelece como princípio fundamental a ser observado pelos profissionais da Medicina o respeito ao sigilo médico, consoante previsto no art. 11:
“Art. 11 - O médico deve manter sigilo quanto às informações confidenciais de que tiver conhecimento no desempenho de suas funções. O mesmo se aplica ao trabalho em empresas, exceto nos casos em que seu silêncio prejudique ou ponha em risco a saúde do trabalhador ou da comunidade.”
O sigilo profissional garante a relação de confiança que existe entre o médico e o paciente. A fim de preservar o direito da privacidade, a própria autoridade judiciária tem restrições em requisitar informações ao médico no que se refere ao diagnóstico ou tratamento de determinada pessoa.
Não bastasse isso, o mesmo Código de Ética disciplina o sigilo médico em 8 (oito) artigos (102 a 109), explicitando as condutas a serem evitadas pelos profissionais, sob pena de infração ética.
No que tange à relação entre o sigilo profissional e o prontuário do paciente, importante considerar que a propriedade dos documentos médicos (prontuário) é do paciente, ficando os mesmos sob a guarda do médico assistente ou da Instituição (hospital/laboratório). Neste sentido, o Parecer Consulta nº 28.302/96 do CREMESP:
"...cabe ressaltar que os exames complementares solicitados pelo médico para a formação do diagnóstico do paciente constituem documentos que pertencem exclusivamente ao paciente examinado ou seu representante legal."
Não há dúvidas de que resultados de exames laboratoriais integram o prontuário, sendo, destarte, propriedade do paciente. Ainda, deve ser guardado sigilo em relação ao conteúdo do prontuário, o que, por consequência, acarreta a necessidade de se manter o sigilo também em relação aos resultados de exames laboratoriais.
Outrossim, o sigilo profissional, além de um dever ético do médico, constitui também um direito do paciente. Consoante disposto na Resolução CFM nº 1.605/2000, o sigilo médico é instituído em favor do paciente, sendo este um direito constitucionalmente assegurado:
“CONSIDERANDO que o sigilo médico é instituído em favor do paciente, o que encontra suporte na garantia insculpida no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal;
“Art. 1º - O médico não pode, sem o consentimento do paciente, revelar o conteúdo do prontuário ou ficha médica.”
Exceções a esta regra são: autorização expressa do paciente; dever legal (doença de notificação compulsória, por exemplo); justa causa; e quando o médico for demandado em ação judicial ou ética.
Há de se consignar, ainda, que o sigilo permanece mesmo que o fato seja de conhecimento público ou que o paciente já tenha falecido, nos exatos termos do art. 102, parágrafo único, alínea “a”, do Código de Ética Médica.
Com base nestas premissas, entendemos que o encaminhamento de senha para que terceiros tenham acesso aos resultados dos exames constituiria infração ética, uma vez que restaria configurada afronta ao sigilo médico.
No sentido de corroborar esta posição, utiliza-se, por analogia, a Resolução CFM nº 1.642/2002. Segundo esta norma disciplinadora, as empresas que prestam serviços de saúde não poderiam exigir condutas que implicariam em desrespeito ao direito do paciente quanto ao sigilo médico:
"Art. 1º - As empresas de seguro-saúde, de medicina de grupo, cooperativas de trabalho médico, empresas de autogestão ou outras que atuem sob a forma de prestação direta ou intermediação dos serviços médico-hospitalares devem seguir os seguintes princípios em seu relacionamento com os médicos e usuários:
(...)
g. respeitar o sigilo profissional, sendo vedado a essas empresas estabelecerem qualquer exigência que implique na revelação de diagnósticos e fatos de que o médico tenha conhecimento devido ao exercício profissional."

Destaca-se que, evidentemente, para que o médico possa conduzir o caso de forma correta, ele tem o direito de ter acesso aos resultados dos exames. Assim, o encaminhamento de senha para o médico solicitante não caracteriza infração ética.
Dessa forma, a divulgação de dados que possam dar conhecimento da pessoa do paciente, seja na internet, seja em outro meio qualquer em que haja acesso a terceiros que não tem comprometimento com o sigilo profissional, viola os direitos dos pacientes.
Há de se destacar que a jurisprudência do Conselho Federal de Medicina na grande maioria dos casos impõe como penalidade ao profissional que violou do dever de sigilo a “censura confidencial em aviso reservado” ou a “censura pública em publicação oficial”, penalidades previstas, respectivamente, nas alíneas “b” e “c” do artigo 22 da Lei 3.268/57. Saliente-se que há decisões suspendendo o exercício profissional por 30 (trinta) dias (alínea “d” do citado artigo).
Por fim, caso haja efetiva necessidade de adotar a conduta de encaminhamento de senha a terceiros, não sendo o caso de nenhuma exceção à necessidade de se guardar o sigilo médico, a única solução ética possível seria a coleta de autorização expressa e por escrito do paciente, autorizando a adoção desta medida, mediante a assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Preferencialmente, a informação de que a senha de acesso será fornecida a terceiros deve vir grafada em destaque e deve haver um espaço específico para a assinatura relativa a esta autorização, minimizando-se, desse modo, eventual alegação do paciente no sentido de que a cláusula encontrava-se inserida no documento e não foi possível o seu específico e inequívoco consentimento em relação a esta medida.
Ainda, obtido o consentimento do paciente na forma acima destacada, a pessoa que tiver acesso ao resultado do exame também deve se obrigar a manter a confidencialidade sobre a informação a que teve acesso.
Diante do exposto, opina-se pela abstenção da prática de fornecimento de senha a terceiros estranhos à relação médico-paciente para acesso aos resultados de exames laboratoriais, evitando-se, assim, eventual pena de infração ética relativa à quebra do direito do paciente ao sigilo médico.